quinta-feira, 12 de março de 2009

Eliadiar: O sagrado celeste

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por Aline Grasiele

Queridos amigos e amigas,

Hoje, nossa prosa segue a respeito de um tema que tem grande ênfase nas diversas tradições religiosas: o Céu.

Peço licença para fazer uma pequena digressão - ou seria, na verdade, um desabafo? Confesso que particularmente esse é o tema de fronteira na minha experiência particular, pois sinceramente, prefiro a terra. Perdemos muito tempo pre-ocupados com a vida que “desfrutaremos” no céu, e nos esquivamos de nossas responsabilidades enquanto cristãos na terra.

Por que, por exemplo, nos preocuparmos com o meio ambiente se vamos morar no céu? Consciência planetária e desigualdade social não são temas que devam ser tratados pelos futuros moradores do céu, não é mesmo? Gosto bastante da fala de Francis Schaeffer ao afirmar que “ser espiritual é ser cada vez mais humano”.

Bom, mas vejo que HUMANIDADE é um tema que assusta e incomoda a muitos, principalmente os “cristãos”, que ao longo de sua história deram uma grande ênfase a “ascese” (afastamento do mundo). Medo da finitude, de se contaminar com os pecadores (sim, porque nós somos santos e os outros pecadores)? Não tenho essa interpretação da mensagem do Cristo, mas isso não vem ao caso.

Deixo meu desabafo, enquanto cristã, como reflexão e, agora, sem mais delongas, reassumindo minha postura de pesquisadora que atentamente observa esse o humano em suas relações com o sagrado, vejamos as considerações de Mircea Eliade sobre o Céu.

Eliade procura compreender a significação religiosa do Céu em si mesmo. O Céu revela diretamente a sua transcendência, a sua força e a sua sacralidade. Para ele, a simples contemplação da abóbada celeste é suficiente para desencadear uma experiência religiosa; contemplação que para o homem primitivo que é sensível aos milagres cotidianos equivale a uma revelação.

O céu revela-se tal como é na realidade: infinito, transcendente. Transcendência que se revela pela simples tomada de consciência da altura infinita. O “muito alto” (altíssimo), torna-se espontaneamente um atributo da divindade. A abóbada celeste é por excelência “uma coisa muito diferente” do pouco que representa o homem e seu espaço vital. O alto é uma dimensão inacessível ao homem, pertencendo por direito às forças e aos seres sobre-humanos. Tudo isso, deduzido da simples contemplação do Céu.

Só pela sua existência, o Céu “simboliza” a transcendência, a força, a imutabilidade. Existe porque é elevado, infinito, imutável, poderoso. Pois o simples fato de ser “elevado”, de se encontrar “no alto”, equivale a ser poderoso. O “altíssimo”, o “brilhante”, o “céu”, são termos por meio dos quais os povos exprimiam a idéia de divindade.

O conhecimento, a compreensão global do mundo, o deciframento da unidade cósmica, a revelação das causas últimas que mantêm a existência, tornam-se possíveis graças à contemplação do Céu, a hierofania celeste. O caráter da contemplação do Céu permitia, ao lado da revelação da precariedade do homem e da transcendência divina, a revelação da sacralidade do conhecimento, da força espiritual. Para o homem primitivo, o saber e o conhecimento eram epifanias do “poder”, “força sagrada”. Aquele que vê e sabe, pode tudo e é tudo.

O sagrado celeste permanece ativo na experiência religiosa pelo simbolismo da “altura”, da “ascensão”, do “centro”. As regiões superiores estão saturadas de forças sagradas. Tudo quanto está mais próximo do Céu participa com intensidade variável, da transcendência. A “altura”, o “superior”, são assimilados ao transcendente, ao sobre-humano. Toda “ascensão” é uma ruptura de nível, é uma ultrapassagem do espaço profano e o da condição humana. Transcender a condição humana pelo fato de penetrar numa zona sagrada. A morte é uma transcendência da condição humana, uma “passagem para o além”.

As regiões superiores inacessíveis ao homem adquirem o prestígio do transcendente, da realidade absoluta, da eternidade. Lá é a morada dos deuses. O Céu revela, por seu próprio modo de ser, a transcendência, a força, a eternidade. Ele existe de uma maneira absoluta, pois é elevado, infinito, eterno, poderoso. Não se trata, no entanto, de um “naturismo”. O Deus celeste não é identificado com o Céu, pois foi o próprio Deus que, criador de todo o Cosmos, criou também o Céu. É por esta razão que é chamado “Criador”, “Todo-Poderoso”, “Senhor”, “Pai” etc. O Deus celeste é uma pessoa e não uma epifania, mas ele habita o Céu.

Nas obras de Eliade, encontramos as mais diversificadas perspectivas sobre o Céu, e observadas em diferentes grupos religiosos. Aos que quiserem conferir, deixo como referências as duas obras que foram utilizadas neste texto: o “Tratado de História das Religiões” e o “Sagrado e o Profano”, ambos publicados pela editora Martins Fontes.

Até a próxima quinta!

Aline

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