terça-feira, 10 de março de 2015

Reflexão (89) - Para não dizer que não falei das panelas


por Jefferson Ramalho

Quem entre nós nunca ouviu o clássico "Pra não dizer não falei das flores", de Geraldo Vandré, que acabou tornando-se um verdadeiro hino da resistência contra a ditadura militar ocorrida no Brasil, entre 1964 e 1985?

“Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção”

Tempo no qual ainda havia poesia e consciência política, não é mesmo?
Semanas atrás escrevi em minha conta no facebook que não escreveria mais nesta rede social,  que expressaria minhas opiniões sobre política, futebol e religião, uma vez que muitas pessoas têm dificuldades em entender e, sobretudo, respeitar minhas escolhas. Ok!

Mas, não posso omitir-me diante do tal panelaço do último domingo promovido pela elite branca de algumas cidades brasileiras.

Claro, eu poderia aqui escrever – não com a mesma competência, claro – algo muito próximo daquilo que o jornalista Juca Kfouri escreveu em seu belo texto “O panelaço da barriga cheia e do ódio”, mas resolvi não fazê-lo. Kfouri disse tudo e pronto.  Basta!

Só não posso abster-me de manifestar minha incompreensão – mais que revolta – diante de tantas postagens de amigos e amigas, no mesmo facebook. Enquanto a mulher, no dia da mulher, falava sobre mulher, e depois sobre o Brasil, além do delinquente panelaço que ecoava desafinada e simultaneamente das janelas de alguns luxuosos apartamentos de bairros como Morumbi, Higienópolis, Vila Olímpia, Perdizes e Itaim, pessoas escreviam frases do tipo “Mulher safada”, “Dilma não representa a mulher brasileira”, “Mulher sem vergonha”, “Dilma não cansa de mentir de maneira descarada” e por aí vai...

Não há conscientização política, o que há é ódio, é raivinha, é inconformismo por parte de uma elitezinha que há treze anos perdeu o poder para um operário barbudo e sem dedo, supostamente analfabeto, e o que é pior: comunista. Pior ainda: não conseguem derrubá-lo.

Não sei se isso prova a eficácia do PT em governar, a capacidade do PT em articular para manter-se no poder ou a incompetência da oposição, especialmente a PSDBista, em não conseguir voltar a comandar o País. Resta chorar e acusar; resta pedir impeachment.

Não vou, é claro, insistir aqui na mesma conversa de sempre. Por exemplo, apesar de apertada, a eleição foi decidida voto a voto e o PSDB perdeu, pronto. Se tivesse perdido por diferença mais ampla, também estariam falando em sabotagem. É a velha mania de brasileiro que jamais reconhecerá que a seleção pode perder em uma Copa, mesmo quando é massacrada como ocorreu em 2014. Se diferença pequena for sinal de sabotagem, então podemos dizer que o PSDB sabotou na penúltima eleição em São Paulo, quando por pouco Alckmin teria de disputar um segundo turno com Mercadante!

Quero apenas, para não dizer que não falei das panelas, que aquele ato de domingo demonstra o quanto nossa “gente de bens” – não de bem – é, em grande parte, delinquente, mal educada, motivo de vergonha e desrespeito. Sim, porque se o panelaço fosse promovido pelos pobres, choveriam críticas do tipo: “Zé povinho”, “Maloqueiros”, “Pobres, marginais e sem educação”, “Baderneiros”, “Gente sem cultura”, sem falar, é claro, das possíveis afirmações racistas do tipo “Pretos, só podiam ser pretos”... Mas, como o panelaço ecoou das janelas da Casa Grande, está tudo certo. É protesto, é manifestação... e não bagunça de gente pobre!

Não, não é manifestação! E não digo nem que é apenas ódio ou raivinha antiPTtista. Como eu disse dias atrás no meu facebook: a mesma madame que reclama da economia e vive dizendo “quem mandou votar na Dilma”, não abre-mão de frequentar semanalmente o Pet Shop para falar mal da faxineira enquanto os cabeleireiros cuidam de seus pelos, digo, de seus cabelos. A mesma mocinha que, mesmo sem saber resolver um problema básico de equação do 1º grau, mas que tornou-se especialista em economia nos últimos meses só para falar mal do PT, não deixa de bater cartão no shopping para comprar seus sapatos, suas bolsas e suas roupas caras que servem apenas para atender sua crônica e deficiente necessidade de consumir e ostentar diante das amigas. O mesmo empresário que reclama do desgoverno PTista e que afirma-se defensor da justiça e da verdade, é aquele que nunca conseguiu abrir mão de parte do seu lucro para reconhecer o valor profissional de seus funcionários, sem falar aqui das suas maracutaias em relação a impostos e direitos trabalhistas dos seus empregados... Mas ladrões são o Lula e a Dilma!

Para terminar, pergunto apenas a esses conhecedores de política e economia que, do alto de suas coberturas, de suas janelas, de seus duplex e  triplex, manifestaram-se no último domingo com suas panelas teflon e talheres de prata. Vocês acreditam mesmo que com essa espalhafatosa, vergonhosa, delinquente e inescrupulosa histeria irão conseguir alguma coisa? Façam-me rir... Mas antes, é claro, deixem-me sair de debaixo da mesa, para onde fui esconder-me, de tanta vergonha alheia que senti.