sexta-feira, 19 de junho de 2015

Reflexão (91) - Quem for santo que atire a primeira pedra?


por Jefferson Ramalho

Toda semana tem uma nova! Na semana passada foi a história da intolerância dos conservadores religiosos contra a manifestação da transexual que, encenando a crucificação na Parada Gay, com o intuito de mostrar que até hoje os marginalizados são violentados inocentemente, acabou execrada por aqueles que dizem ser os representantes da verdadeira moral e dos bons costumes.

Agora, foi a vez da pedrada! Uma criança de 11 anos foi atingida por uma pessoa que, por certo, afirma-se cristã e pregadora do amor e da fé... sim, como aqueles que queriam apedrejar uma mulher cerca de dois mil anos atrás, mas que foram impedidos pela frase de Jesus de Nazaré quando este afirmou: quem não tiver pecado que atire a primeira pedra.

A diferença entre os dois casos é clara. Lá a mulher era acusada de adultério, o que não justifica qualquer ato de violência ou repúdio. Aqui, a jovem é apedrejada porque tem fé, porque segue uma tradição religiosa herdada de sua família, porque não faz parte da religião dos que se dizem conhecedores do amor de Cristo.

A verdade é que, segundo as estatísticas, tudo indica que daqui a algum tempo, não duvido nada se esses sujeitos não tornar-se-ão literalmente homens-bomba do cristianismo. Ora bolas! Eles já são homens-bomba, se pararmos para pensar. Eles acreditam que com a pena de morte e com a prisão de crianças em conflito com a Lei serão resolvidos os problemas da violência que existe na sociedade. Mas, ao mesmo tempo, apedrejam candomblecistas e umbandistas e afirmam-se contra o aborto, já que argumentam ser defensores da vida e da hipótese de que só Deus pode tirá-la. Que bagunça! Que salada! Que caos!

Há, é claro, entre os cristãos – católicos e protestantes – uma pequena parcela séria, que não aceita essa intolerância, esse ódio, essa violência promovida e propagandeada nos púlpitos das igrejas e na bancada evangélica do Congresso Nacional. Todavia, esses poucos pastores e padres que não concordam com a intolerância religiosa e moralista, por vezes, acabam execrados em seus próprios círculos de convivência. Haja vista o que ocorreu com Rubem Alves quando este negou-se apoiar o regime militar nos tempos da ditadura ou o que ocorreu com Leonardo Boff quando este escreveu em favor do pobre e contra a ostentação eclesiástica.

Portanto, encerro, sinceramente, sem muitas esperanças. Afinal, não duvido que na próxima semana tenhamos uma outra manifestação de ódio, expressa em forma de pregações, de palavras, de pedradas, de tiros, de bombardeios, por parte dessa turma que se diz seguidora e imitadora do amor de Deus, mas que no fundo, não passam de víboras, de cobras venenosas, como dizia um certo homem. Eles são semelhantes a sepulcros caiados, bonitos por fora, mas podres por dentro.

O problema maior é que são tratados e reconhecidos como santos pelos seus muitos seguidores, os quais, admirados e ingênuos, pagam o que for preciso para sentir os seus perfumes importados, mal sabendo que não passam de seres inescrupulosos, cuja essência fede mais que um corpo em avançada decomposição. 

J.R.

Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Reflexão (90) - Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem!



por Jefferson Ramalho

Se você acha que estou, com este título acima, referindo-me aos milhares de seres humanos que estavam em São Paulo ontem lutando pelos seus direitos e, em meio ao movimento, simularam de maneira intolerante e agressiva a cena clássica da crucificação de Jesus, enganou-se.


Quem tem o mínimo de conhecimento bíblico com base numa exegese histórico-crítica bem elaborada, munida de ferramentas hermenêuticas livres das algemas dogmáticas e, é claro, sem medo de desconstruir quando necessário, saberá que o menos importante na narrativa da crucificação e de tantos outros episódios ali contados é a afirmação de sua veracidade factual.

Portanto, o mais importante, desde os novos parâmetros interpretativos inaugurados no auge do século XIX pelo pregador protestante, filósofo e teólogo Friedrich Schleiermacher (1768-1834), não é a historicidade de um episódio narrado na Bíblia, mas a mensagem que tal narrativa pretende passar. Essa perspectiva seria ampliada no mesmo século XIX e depois no XX por outros tantos intelectuais, quase todos de matriz protestante, como Adolf von Harnack, Rudolf Bultmann e Paul Tillich, cada qual em sua área de investigação.

Assim, o importante não é o milagre enquanto fato, mas o milagre enquanto metáfora que tem uma mensagem ética a ensinar. De que adianta acreditar na multiplicação dos pães como algo mágico, sobrenatural, fantasioso, se não aprendermos a dividir nossos pertences com quem não tem nada, como fez aquele menino que dividiu com milhares de pessoas seus únicos cinco pães e dois peixes, estimulando por meio do seu gesto a atitude de outros que também tinham e, sensibilizados, passaram a dividir?

Quem conhece o mínimo acerca da história de Jesus de Nazaré, independentemente de considerá-lo apenas humano, apenas divino ou simultaneamente humano e divino, sabe que o seu martírio representa a história de pessoas excluídas, discriminadas, oprimidas, marginalizadas. Portanto, não adianta absolutamente nada encenar a Paixão de Cristo todos os anos se não entendermos que aquilo tudo é mais que uma interpretação artística; que a Paixão de Cristo é, na verdade, não a teatralização anual da história de seu martírio, mas a história dos milhões de seres humanos que por causa da cor, da raça, do gênero, da condição sócio-econômica, da opção e condição sexual são martirizados todos os dias, injustamente. Sim, injustamente, pois não há culpa em nada disso, embora as “brilhantes mentes conservadoras” insistam em dizer o contrário.

Para não ficar enrolando, quero concluir dizendo de maneira simples e direta. Embora não tenha ido à Parada Gay, as imagens que vi na TV, na internet, em vídeo ou em foto, dessa cena, foram belíssimas – sim, belíssimas – pois apesar dessa cena representar um momento de dor e sacrifício de um ser humano, conseguiu trazer à tona aquilo que em sua origem, enquanto fato ou narrativa, pretendia transmitir como mensagem.

Talvez, nesses dois mil anos, poucas encenações da Paixão de Cristo conseguiram ser tão autênticas, verdadeiras e fiéis ao significado original da narrativa bíblica. Quando Jesus era crucificado, ali na Cruz não estavam os religiosos, os sacerdotes, os doutores da Lei, os teólogos conservadores, os guardiões da santa doutrina, mas os maltrapilhos de posse e de alma, os excluídos, os marginalizados, dentre os quais estão nossos milhares de semelhantes que são homo-afetivos, independentemente de como sua homo-afetividade de expressa.

Não houve blasfêmia, não houve intolerância, não houve cristofobia como alguns têm dito e postado ao longo do dia de hoje. Ao contrário, se Jesus estiver vivo, não tenho dúvida de que ontem Ele alegrou-se em ver que um ser humano finalmente entendeu o significado da Cruz, a saber, a expressão do grito oprimido de um inocente.

Enquanto isso, sobre os religiosos e doutores da Lei e da Moral de nosso tempo, sim, os Malafaias, os Felicianos, os Eduardos Cunha, os Bolsonaros entre outros tantos que estão, estes sim blasfemando, o Cristo estará bradando mais uma vez, lá do alto: Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem.

J.R.

terça-feira, 10 de março de 2015

Reflexão (89) - Para não dizer que não falei das panelas


por Jefferson Ramalho

Quem entre nós nunca ouviu o clássico "Pra não dizer não falei das flores", de Geraldo Vandré, que acabou tornando-se um verdadeiro hino da resistência contra a ditadura militar ocorrida no Brasil, entre 1964 e 1985?

“Caminhando e cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas nas ruas, campos, construções
Caminhando e cantando e seguindo a canção”

Tempo no qual ainda havia poesia e consciência política, não é mesmo?
Semanas atrás escrevi em minha conta no facebook que não escreveria mais nesta rede social,  que expressaria minhas opiniões sobre política, futebol e religião, uma vez que muitas pessoas têm dificuldades em entender e, sobretudo, respeitar minhas escolhas. Ok!

Mas, não posso omitir-me diante do tal panelaço do último domingo promovido pela elite branca de algumas cidades brasileiras.

Claro, eu poderia aqui escrever – não com a mesma competência, claro – algo muito próximo daquilo que o jornalista Juca Kfouri escreveu em seu belo texto “O panelaço da barriga cheia e do ódio”, mas resolvi não fazê-lo. Kfouri disse tudo e pronto.  Basta!

Só não posso abster-me de manifestar minha incompreensão – mais que revolta – diante de tantas postagens de amigos e amigas, no mesmo facebook. Enquanto a mulher, no dia da mulher, falava sobre mulher, e depois sobre o Brasil, além do delinquente panelaço que ecoava desafinada e simultaneamente das janelas de alguns luxuosos apartamentos de bairros como Morumbi, Higienópolis, Vila Olímpia, Perdizes e Itaim, pessoas escreviam frases do tipo “Mulher safada”, “Dilma não representa a mulher brasileira”, “Mulher sem vergonha”, “Dilma não cansa de mentir de maneira descarada” e por aí vai...

Não há conscientização política, o que há é ódio, é raivinha, é inconformismo por parte de uma elitezinha que há treze anos perdeu o poder para um operário barbudo e sem dedo, supostamente analfabeto, e o que é pior: comunista. Pior ainda: não conseguem derrubá-lo.

Não sei se isso prova a eficácia do PT em governar, a capacidade do PT em articular para manter-se no poder ou a incompetência da oposição, especialmente a PSDBista, em não conseguir voltar a comandar o País. Resta chorar e acusar; resta pedir impeachment.

Não vou, é claro, insistir aqui na mesma conversa de sempre. Por exemplo, apesar de apertada, a eleição foi decidida voto a voto e o PSDB perdeu, pronto. Se tivesse perdido por diferença mais ampla, também estariam falando em sabotagem. É a velha mania de brasileiro que jamais reconhecerá que a seleção pode perder em uma Copa, mesmo quando é massacrada como ocorreu em 2014. Se diferença pequena for sinal de sabotagem, então podemos dizer que o PSDB sabotou na penúltima eleição em São Paulo, quando por pouco Alckmin teria de disputar um segundo turno com Mercadante!

Quero apenas, para não dizer que não falei das panelas, que aquele ato de domingo demonstra o quanto nossa “gente de bens” – não de bem – é, em grande parte, delinquente, mal educada, motivo de vergonha e desrespeito. Sim, porque se o panelaço fosse promovido pelos pobres, choveriam críticas do tipo: “Zé povinho”, “Maloqueiros”, “Pobres, marginais e sem educação”, “Baderneiros”, “Gente sem cultura”, sem falar, é claro, das possíveis afirmações racistas do tipo “Pretos, só podiam ser pretos”... Mas, como o panelaço ecoou das janelas da Casa Grande, está tudo certo. É protesto, é manifestação... e não bagunça de gente pobre!

Não, não é manifestação! E não digo nem que é apenas ódio ou raivinha antiPTtista. Como eu disse dias atrás no meu facebook: a mesma madame que reclama da economia e vive dizendo “quem mandou votar na Dilma”, não abre-mão de frequentar semanalmente o Pet Shop para falar mal da faxineira enquanto os cabeleireiros cuidam de seus pelos, digo, de seus cabelos. A mesma mocinha que, mesmo sem saber resolver um problema básico de equação do 1º grau, mas que tornou-se especialista em economia nos últimos meses só para falar mal do PT, não deixa de bater cartão no shopping para comprar seus sapatos, suas bolsas e suas roupas caras que servem apenas para atender sua crônica e deficiente necessidade de consumir e ostentar diante das amigas. O mesmo empresário que reclama do desgoverno PTista e que afirma-se defensor da justiça e da verdade, é aquele que nunca conseguiu abrir mão de parte do seu lucro para reconhecer o valor profissional de seus funcionários, sem falar aqui das suas maracutaias em relação a impostos e direitos trabalhistas dos seus empregados... Mas ladrões são o Lula e a Dilma!

Para terminar, pergunto apenas a esses conhecedores de política e economia que, do alto de suas coberturas, de suas janelas, de seus duplex e  triplex, manifestaram-se no último domingo com suas panelas teflon e talheres de prata. Vocês acreditam mesmo que com essa espalhafatosa, vergonhosa, delinquente e inescrupulosa histeria irão conseguir alguma coisa? Façam-me rir... Mas antes, é claro, deixem-me sair de debaixo da mesa, para onde fui esconder-me, de tanta vergonha alheia que senti.




terça-feira, 19 de agosto de 2014

Reflexão (88) - Por uma filosofia prática de respeito e diálogo


por Jefferson Ramalho

Porque gado a gente marca
Tange, ferra, engorda e mata
Mas com gente é diferente
Se você não concordar
Não posso me desculpar
Não canto pra enganar
Vou pegar minha viola
Vou deixar você de lado
Vou cantar noutro lugar
(Geraldo Vandré; Théo de Barros)

O trecho poético acima citado pertence à letra da música Disparada, composta nos anos 1960 por Geraldo Vandré e Théo de Barros, mas que ganharia notoriedade na interpretação de Jair Rodrigues, ficando em primeiro lugar junto com A Banda, de Chico Buarque, no Festival de Música Popular Brasileira, em 1966.

O contexto histórico em que esta música foi composta corresponde a um tempo de ditadura política, cujo grupo dominante era formado por militares e elites político-econômicas que defendiam uma mentalidade conservadora, fechada às manifestações culturais, à liberdade de expressão e a uma distribuição econômica que beneficiasse aquela parcela da sociedade elencada por pobres, excluídos e marginalizados.

Se hoje podemos questionar os nossos governantes ou mesmo acusá-los pela corrupção que praticam, devemos isso àqueles que lutaram de frente contra um regime que era opressor, repressor, antidemocrático, moralista e violento. Muitos desses que lutaram contra a ditadura, sob a injusta acusação de serem criminosos, traidores da Pátria e até terroristas, pagaram literalmente com sangue por acreditarem que um dia viveriam num Brasil livre, democrático, no qual as pessoas poderiam escolher quem os governasse e protestar quando aquele que fosse escolhido não cumprisse o seu dever.

Muitos estudantes, artistas, intelectuais, políticos, jornalistas, religiosos, entre outros grupos sociais, insatisfeitos com a violência psicológica e física praticada pelo Estado, foram presos, torturados, expulsos do próprio País e até mortos. O que é pior, mesmo depois de mortos eram injustamente rotulados pelo governo militar e pela imprensa como pessoas criminosas, terroristas e de alta periculosidade para a sociedade.

Neste ponto é que o trecho que destacamos da música Disparada começa a fazer sentido. Nas dependências do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social), com o intuito de interrogar pessoas envolvidas com a resistência ao regime militar, a polícia as torturava das mais diversas formas. Predominava o velho e intolerante argumento da disciplina por meio da agressão física e psicológica. Choques elétricos nas partes mais sensíveis do corpo, tapas, socos, pontapés, pauladas na cabeça e nas costas, queimaduras, afogamentos e tantas outras monstruosidades eram aplicadas por aqueles que faziam o papel de representantes da ordem, da moral e dos bons costumes contra aqueles que eram considerados bandidos, assassinos, sequestradores e terroristas, quando na realidade estes só queriam duas coisas para sua gente: liberdade e dignidade.

Sempre que a música Disparada chega neste verso que diz: Porque gado a gente marca / Tange, ferra, engorda e mata / Mas com gente é diferente, podemos pensar na luta e na vida de cada pessoa que foi torturada, que foi morta, que foi expulsa do seu País, e isso por causa da convicção que carregavam na alma e no coração de que algum tempo depois a história mudaria e todo aquele cenário de terror e opressão teria fim.

Os tempos mudaram, a liberdade veio, e mesmo com tantos problemas sociais e econômicos que ainda devem ser combatidos, aquelas páginas regadas por sangue e por lágrimas ficaram para trás e temos a esperança de que nunca mais voltem a ser escritas.

No entanto, por incrível que pareça, ainda há quem defenda a tortura, a pena de morte, a censura, o silêncio do outro. O mais triste está no fato de que essas práticas começam, muitas vezes, dentro de casa, no âmbito familiar. Esposo agredindo a esposa com o argumento ultrapassado de que o homem é chefe da casa, pais castigando seus filhos física e psicologicamente uma vez que fica difícil admitir para si próprio a dificuldade de conseguir educá-los por meio do diálogo, famílias inteiras que rejeitam um membro da família que é homoafetivo, sem falarmos das mais diversas expressões de preconceito por causa de cor, raça, gênero ou mesmo escolhas religiosas ou políticas.

Quantas pessoas ainda sofrem preconceito por serem adeptas de religiões afrobrasileiras ou evangélicas? Quantas pessoas ainda são agredidas de maneira física e psicológica por serem homoafetivas, por usarem determinadas roupas, por gostarem de determinado gênero musical, por seguirem esta ou aquela religião?

Poderíamos mencionar ou mesmo detalhar muitos outros exemplos: pessoas que são consumidas pelas drogas, sobretudo, por problemas diversos de estrutura familiar; jovens que se tornaram criminosos precocemente por causa da realidade social na qual nasceram; ex-presos que quando saíram da prisão se encontravam piores do que quando entraram, uma vez que o sistema prisional do nosso País mais educa para o crime do que para a recuperação do ser humano.

São raros os casos em que certa pessoa que sempre esteve inserida em um desses contextos tenha optado pela educação e pela cidadania. A regra, portanto, é o oposto.

A probabilidade de um jovem que nasce em uma família sem estruturas se tornar criminoso logo cedo é muito grande; também é maior a probabilidade de uma criança que foi agredida – não educada – à base de surras e doses periódicas de tapas e castigos físicos e psicológicos escolher o caminho das drogas lícitas ou ilícitas. O ex-preso no Brasil, infelizmente, não é sinônimo de ser humano recuperado para viver em sociedade, mas de alguém que, no imaginário popular, por ter sido uma vez bandido, sempre será bandido. Mesmo que recuperado, um ex-preso dificilmente terá a chance de recomeçar sua vida, tornar-se um trabalhador, pois além do frágil sistema prisional sob o qual viveu por anos, a própria sociedade não consegue vê-lo como uma nova pessoa.

Poderíamos pensar nos arcaicos, alienantes e alienados chavões do tipo “bandido bom é bandido morto”, “criança, para ser educada, tem que apanhar”, “mulher minha, se não obedece, apanha”, “apanhei dos meus pais e não morri por causa disso”, mas é desnecessário. Fiquemos com os versos de Geraldo Vandré e Théo de Barros, pois estes sim são muito mais carregados de inteligência, ternura e esperança. E aos insistentes em defender a velha tática da violência politicamente correta, a mesma música diz:


Se você não concordar / Não posso me desculpar / Não canto pra enganar /Vou pegar minha viola / Vou deixar você de lado / Vou cantar noutro lugar

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*A responsabilidade pelas ideias presentes no texto restringe-se ao autor
 

sábado, 28 de dezembro de 2013

Reflexão (87) - As bem diferentes "erudições" de Jorge Mario Bergoglio e Joseph Aloisius Ratzinger


por Jefferson Ramalho

"Fale de amor, se for preciso use palavras." - São Francisco de Assis

Bergoglio critica Ratzinger não com palavras, mas adotando uma postura totalmente diferenciada. Logo, não é preciso dizer nada. Aliás, a gentileza, a educação, a forma polida de ser e agir anulam qualquer necessidade de Bergoglio ser áspero com quem quer que seja. Não que ele não possa vir a sê-lo um dia. Mas, a questão aqui é entre ele e seu predecessor. A propósito, as falas e os atos de Bergoglio são suficientes para explicitar a crítica e a denúncia direta que faz ao modelo episcopal que Ratzinger e tantos outros bispos e papas adotaram ao longo da história. Não é preciso dizer nada!


Ratzinger (o Bento XVI) é, para aqueles que conhecem um pouco de sua trajetória, conhecido por duas características fundamentais. Dono de uma mente brilhante, não há como negar que tenha sido um dos intelectuais católicos mais eruditos de seu tempo. Por outro lado, Ratzinger também é conhecido por muitos como sendo o grande inquisidor, aquele que fez o “serviço sujo” no pontificado de João Paulo II. Não foram poucos que tiveram de se apresentar ao Vaticano para prestar contas de suas “heresias” diante dele que era o cardeal responsável pela Congregação para Doutrina da Fé.


Bergoglio, poucos conheciam até aquele fim de tarde (já noite em Roma) de quarta-feira em que foi apresentado ao mundo como novo Sumo Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana. Um padre das periferias, sim! Não apenas das periferias de Buenos Aires, mas, sobretudo, da periferia do Planeta. Como ele próprio disse: “foram me buscar no fim do Mundo”.


Abrindo parênteses, este é o século XXI, para quem ainda não tinha percebido. Um século em que um negro se torna presidente dos Estados Unidos da América, em que um operário metalúrgico e depois uma mulher se tornam presidentes do Brasil, em que o Corinthians (time que mais odeio, mas um time do povo – como negar isso?) se torna Campeão da Copa Libertadores. Logo, o que faltava? Faltava um Papa não europeu; melhor, um Papa Latino-Americano. Perfeito!

Fazendo justiça com o nome que escolheu, Bergoglio – agora, Francisco – deixou claro o seu perfil quando esteve entre nós na Jornada Mundial da Juventude. Poderia citar aqui as muitas frases que explicitariam seu lado “periferia do mundo”, mas não se faz necessário. Poderia repetir tudo o que já foi dito sobre sua negação aos adornos de ouro, ao carro de luxo, ao aposento papal gigantesco, e às tantas outras e incontáveis ostentações que não foram rejeitadas por seus antecessores. Porém, não é preciso. Todos já estamos convencidos de quem Francisco é.

Aprendi neste ano inesquecível de 2013 – absolutamente contrário ao triste 2012, pelo menos para mim – que ser erudito é ser como uma pedra que é, pouco a pouco, polida. E quando vejo o modo polido com que Francisco se mostra, concluo que sua erudição é muito mais valiosa que a erudição intelectual de Ratzinger. Aliás, quem já teve a oportunidade de ouvir ou ler o testemunho de Leonardo Boff, um dos que teve de se apresentar ao tribunal do santo inquisidor dos anos 1980, percebeu que a intelectualidade polida de Ratzinger, conquanto existisse, esteve sempre à serviço de outros interesses.

O que concluo desse novo momento da igreja católica, em linhas gerais, é que haverá menos condenação e mais inclusão e tolerância, menos exclusivismo e mais diálogo inter-religioso, menos sermões longos e cansativos e mais mensagens de fé e esperança, menos fundamentalismo e mais abertura para uma nova época na história, não só da igreja católica, mas da sociedade mundial como um todo.

Que o apelo sempre sorridente de Francisco, sem muitas palavras e ostentações, mas com todos os gestos de gentileza e simplicidade, possa contagiar o mundo, para que as pessoas se tornem pessoas melhores, independentemente das religiões que seguem, da opção sexual que escolhem, do espaço geográfico que ocupam no planeta e da bandeira política que agitam. Feliz 2014 a todos e a todas! - Jefferson


segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Reflexão (86) - No ensejo do nosso dia


por Jefferson Ramalho

Hoje, 15 de outubro, é o dia no qual “comemora-se” a importância dos professores. Sou um deles neste País maravilhoso e, ao mesmo tempo, difícil de nele viver. É maravilhoso por sua diversidade cultural, por sua gente, pelo sorriso estampado no rosto. Mas é difícil porque ainda permite que a desigualdade ocupe mais espaço que a justiça.
Vivo num País no qual o professor tem dia, mas não tem dignidade. Eu gostaria de dizer, após ter estudado por mais de vinte anos, entre escolas públicas e em três faculdades privadas, com publicações em revistas científicas, licenciatura, bacharelado, mestrado, que a minha remuneração de professor na Educação Básica estivesse equiparada à formação acadêmica que construí. Não... não está!
Sei que há incontáveis – sim, incontáveis – razões que impedem que o meu salário seja aquele que eu gostaria. Somos todos vítimas de um sistema econômico que nos escraviza a comprar tudo com tão pouco no bolso; somos vítimas de um sistema político sem vergonha que se disfarça de democracia, fazendo-nos de idiotas todos os dias; somos vítimas de um sistema educacional que optou pelo número de pessoas com diploma na mão e não pela qualidade da formação escolar que elas recebem. Por que?
Porque a maioria precisa estudar em uma escola pública que reza o que o Estado incompetente manda: aluno que não falta às aulas, ainda que tenha notas insatisfatórias em todas as disciplinas, deve ser aprovado. Ele não sabe ler, ele não sabe escrever, ele é vítima da incompetência do Governo do Estado, de todos os Presidentes que o Brasil já teve de Deodoro a Dilma, do Prefeito de sua cidade, dos vereadores e deputados de ontem e de hoje ao ponto de ter que ir à escola para comer merenda porque não tem comida em casa, mas será aprovado. Ele não vai à escola para estudar, ele vai à escola para matar a fome. Em troca disso, sem saber, ele aceita passar de ano sem aprender nada. Ele é a única vítima quando é aprovado sem ter aprendido.
Sempre há exceções; eu nem precisaria dizer isso. Mas, o que predomina é aquilo que não é exceção. É aquilo que é regra, que é comum...
E não pensem que é somente a educação pública que se encontra decadente no Brasil. Não... Infelizmente, não! A educação privada também não anda bem das pernas, com exceção de poucos colégios no País, pensando em termos de proporção, mas que são aqueles em que apenas alguns poucos filhos de classe dominante podem estudar. Por que?
Porque está cheio de donos e donas de escolas pensando na grana que entra e não no ensino de qualidade que sua instituição deveria oferecer. São, à semelhança de muitas escolas públicas, colégios sem estrutura para que o aluno aprenda desfrutando de recursos pedagógicos mais avançados, sem bibliotecas, sem laboratórios equipados, sem projetores, sem material esportivo de qualidade para as aulas de Educação Física, sem segurança, sem professores eventuais, sem um monte de outras coisas. Por que?
Quem quer uma Educação de qualidade, que tenha dinheiro para pagar por ela. Muito dinheiro! Existe argumento mais irresponsável que este?
E o Estado, por excelência, já provou que é irresponsável, as escolas privadas de pequeno e médio porte – salvo exceções – já provaram qual é a sua grande meta ($$$).
Eu teria mais de uma centena de coisas a dizer, mas a revolta, a indisposição, os sentimentos de desesperança me impedem de fazê-lo.
E o lado bom? Só há um lado bom, meus caros: o orgulho de saber que apesar de tudo isso, há alguns poucos alunos e alunas que sabem o que você está fazendo ali. Você está ali, mais do que por qualquer outra razão, por causa deles. Hoje, muitos deles não conseguem mensurar o valor disso; entenderão depois. Não importa, pois sempre foi assim e continuará sendo.
O que não pode continuar é que a Educação do nosso País continue no controle de aproveitadores, de gente interessada no poder e no dinheiro, de gente desinteressada na educação do outro. Quanto mais gente desinformada (mesmo que oficialmente formada) mais fácil será para aqueles que controlam, continuarem controlando.
Aqueles que questionam e que apontam o problema, que criticam, que incomodam, que perguntam, que não permitem que suas mentes sejam alienadas, que não calam a boca com um bônus do governo depositado na conta em ano de eleição, e que acima de tudo conhecem todos – efetivamente todos – os seus direitos, estes serão atingidos, criminalizados, silenciados em um País no qual se afirma haver liberdade de expressão, serão demitidos, violentados, agredidos de diferentes maneiras, mas dignificados não pelo que ganham, muito menos pelo que deixam de ganhar, mas pelo sorriso de gratidão estampado no rosto de alguns dos seus alunos e nas falas sinceras destes, que dizem: Obrigado! 
Obrigado, não pelas notas que você me deu, ou por ter me passado de ano. Mas, obrigado por ter sido meu professor e pela influência positiva que você exerceu em minha vida! E quando você ouve isso, dinheiro algum do mundo é capaz de reproduzir em números ou em conquistas materiais o tamanho da emoção que se apropria de você. 

Feliz por ser hoje o que sempre sonhei no passado, 
Jefferson