sábado, 4 de fevereiro de 2012

Reflexão (81) - Surto de espiritualidade


por Jefferson Ramalho

Na manhã de hoje acordei como naqueles tempos em que nada em minha vida era mais importante que a certeza de que sou alguém que, apesar de mim mesmo, é salvo pela Graça absoluta e indefinível de Deus, em Cristo. Não senti saudades da igreja que frequentei quando era jovem, mas senti falta dos dias em que eu dobrava meus joelhos ingenuamente e falava com o Mestre.

Me veio à memória aquelas cenas mais grotescas e, ao mesmo tempo, mais significativas, que tomavam conta da minha alma, levando-me ao temor, ao quebrantamento, ao sentimento de dependência do cuidado divino, ao êxtase.

A primeira coisa que fiz ao me levantar, antes de qualquer outra, foi acionar o aparelho de DVD e colocar para rodar o CD ‘Canções à meia noite’ do meu querido Stênio Marcius, a quem, inclusive, não vejo há quase dois anos. Saudades!

A voz, o violão e as letras do Stênio intensificaram ainda mais aquele surto de espiritualidade com o qual acordei. Sim, um surto, não mais que isso. Apesar dos sentimentos nostálgicos, das lembranças, da memória resgatada, da emoção e da vontade de não estar em nenhum outro lugar a não ser naquele no qual Deus pudesse estar – o que é impossível, racionalmente – sei que tudo não passa de um breve súbito.

Hoje, a minha vida é outra, meus sentimentos são outros, as pessoas com as quais desejo estar perto são outras; muita coisa mudou. Por alguns instantes veio ao coração aquele antigo prazer em estar à frente de uma congregação pregando o evangelho, de estar no meio da mesma congregação com os olhos fechados, as mãos levantadas e o coração explodindo cantando louvores ao Altíssimo. Porém, isso não me pertence mais, e nem eu quero essas coisas outra vez para mim. Não estou dizendo que perdi minha fé, que deixei de acreditar em Deus, que não sou capaz de me emocionar ao lembrar-me do significado do sacrifício de Cristo. Só não consigo mais ver qualquer relação entre aquelas práticas supostamente ligadas à devoção e estas outras convicções que, para mim, são suficientes e essenciais.

E assim, passe-se o surto, passe-se tudo o que veio com ele, retomo meus sentidos, vejo a vida, percebo que habito agora uma outra realidade, uma realidade cuja espiritualidade não é surtada, mas amparada em certezas e dúvidas simultaneamente, em fé e em ceticismo, em amor e em revolta, em esperança e em inconformismo, em paz e em litígios, em prazer e em dor, em vida e em uma certeza de que a morte virá, em crença numa realidade além da vida ao lado daquele Mestre e em uma quase certeza de que depois da morte, nada mais vai existir.

cheio de fé e cheio de dúvidas,
Jefferson