sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Reflexão (48) - C. S. Lewis e a igreja

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"Eu creio no Cristianismo tal como creio que o sol nasceu, não apenas porque o vejo mas porque através dele eu vejo todas as outras coisas." (C. S. Lewis)

C. S. Lewis freqüentou a mesma igrejinha durante trinta anos. A experiência não tinha nada de extraordinário a cada semana. A maior parte daqueles anos Lewis não se importava muito com os sermões; ele até mesmo sentava-se atrás de um pilar para que o ministro não visse suas expressões faciais.

Ele ia ao culto sem música porque não gostava dos hinos. E saía logo após a comunhão da Ceia provavelmente porque não gostava de se envolver nas conversas com os outros membros depois do culto.

Mas a longa obediência numa mesma direção moldou a vida de Lewis de um modo que nada mais poderia. Uma vez perguntaram para Lewis: “É necessário freqüentar um culto ou ser membro de uma comunidade cristã para um modo cristão de vida?”

Sua resposta foi a seguinte:

“Esta é uma pergunta que eu não posso responder. Minha própria experiência é que logo que eu me tornei um cristão, cerca de quatorze anos atrás, eu pensava que poderia me virar sozinho, me retirando a meu quarto e lendo teologia, e não freqüentava igrejas ou estudos bíblicos; e então mais tarde eu descobri que era o único modo de você agitar sua bandeira; e, naturalmente, eu descobri que isso significava ser um alvo. É extraordinário o quão inconveniente para sua família é você ter que acordar cedo para ir à igreja. Não importa tanto se você tem que acordar cedo para qualquer outra coisa, mas se você acorda cedo para ir à igreja é algo egoísta de sua parte e você irrita todos na casa. Se há qualquer coisa no ensinamento do Novo Testamento que é na natureza de mandamento, é que você é obrigado a participar do Sacramento e você não pode fazer isso sem ir à igreja. Eu não gostava muito dos seus hinos, os quais eu considerava poemas de quinta categoria com música de sexta categoria. Mas à medida em que eu ia eu vi o grande mérito disso. Eu me vi diante de pessoas diferentes de aparência e educação diferentes, e meu conceito gradualmente começou a se desfazer. Eu percebi que os hinos (os quais eram apenas música de sexta categoria) eram, no entanto, cantados com tamanha devoção e entrega por um velho santo calçando botas de borracha no banco ao lado, e então você percebe que você não está apto sequer para limpar aquelas botas. Isso o liberta de seu conceito solitário.”

(C. S. Lewis, God in the Dock, pp 61-62)

* matéria recebida por e-mail do Jornal Urro do Leão. (www.urrodoleao.com.br)

domingo, 21 de setembro de 2008

Reflexão (47) - Um Cardeal, amigo da inteligência

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por Leonardo Boff

No dia 18 de julho do corrente ano visitei em São Paulo meu antigo mestre, o Cardeal Paulo Evaristo Arns. Encontrei um sábio bíblico, carregado de dias mas cheio de vida e de lucidez intelectual. Sobre a mesa estavam vários livros abertos, seus amigos de predileção: os textos de São Jerônimo, de São João Crisóstomo, da Didaqué e outros. Por mais de duas horas entretivemo-nos sobre nossa vida e nossas andanças pelo mundo da teologia e da Igreja e tivemos saudades de nosso próprio passado. Foi meu mestre em teologia, introduzindo-me na leitura dos Padres da Igreja, nas línguas originais, aqueles pensadores dos primeiros séculos que inauguraram a grande aventura intelectual que foi o encontro da fé cristã com a inteligência filosófica dos gregos e com o sentido do direito dos romanos.

Três paixões marcam a vida do mais importante de nossos cardeais no século XX: a paixão incandecente por Deus, a paixão pelos pobres na perspectiva de sua libertação e a paixão pela inteligência. Para Dom Paulo, Deus não é um conceito teológico mas uma experiência de intimidde e de fascinação. Ele pode falar de direitos humanos, denunciar sua sistemática violação e de falta de justiça social. E o faz bem. Mas deixemo-lo falar de Deus para percebermos que suas palavras ganham doçura e profundidade, pois comprovam o que Pascal dizia:”é o coração que sente Deus, não a razão”.

Sua outra paixão são os pobres, na grande tradição de São Francisco, pois Dom Paulo é e continua frade fransciscano. Como jovem estudante de teologia, trabalhei com ele por dois anos, nas quintas-feiras e nos sábados à tarde e nos domingos no bairro Itamarati de Petrópolis e nos morros vizinhos onde moravam os pobres. Falava com eles com carinho. Fundou escolas e animava a cultura local. Quando cardeal-arcebispo de São Paulo chamou Paulo Freire para orientar pedagogicamente a pastoral das periferias. Mas sobretudo, defendeu aqueles que o regime militar julgava subversivos, não raro torturados e até assassinados. Arriscou a própria vida para defendê-los. O Papa Paulo VI, sabendo de seu compromisso pelos direitos humanos, o fez imediatamente Cardeal de São Paulo. A sociedade brasileira lhe deve uma contribuição inestimável com o livro Brasil nunca mais, relato das torturas a partir de fontes oficiais dos tribunais militares. Corroborou assim a desmantelar o regime e acelerar a volta à democracia.

Sua terceira paixão é pela inteligência. Formou-se na Sorbonne em Paris com uma tese que acaba de ser lançada em português numa belíssima edição pela Cousac-Naif: A técnica do livro em São Jerônimo. Ai associa o esprit de finesse francês com a acribia da pesquisa alemã. Escreveu mais de 50 livros, traduziu textos clássicos dos Padres da Igreja mas principalmente sempre defendeu a inteligência teológica. Acompanhou-me a Roma quando tive que me submeter às instâncias doutrinárias do Vaticano. Não apoiava apenas um ex-aluno, mas queria testemunhar o que dissera ao Cardeal encarregado de me inquirir, Joseph Ratzinger: “A teologia é um bem da Igreja local; quero, como pastor, testemunhar que esta teologia que agora está sob juízo, faz bem às nossas comunidades; se ela contiver erros, corrijamo-los para que continue a animar a fé dos fieis”. Foi considerado o Cardeal da libertação e sempre enfatizou a legitimidade e a necessidade deste tipo de teologia.

Ao embarcar no navio no dia 16 de julho de 1965 para me formar na Alemanha, me entregou na mão um bilhete que guardo até hoje:”Quero que saiba isso: queremos lhe dar o melhor porque o Brasil e a Igreja são realidades complexas e precisam do melhor. Enviado por Deus, estude e viva por Ele e para Ele”. É um conselho que continua a me alimentar e a me inspirar.

domingo, 7 de setembro de 2008

Reflexão (46) - No chão da Graça é assim

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por Jefferson Ramalho

Graças a Deus que nos faz caminhar com os pés no chão e, não, levitando, como muitos “evangélicos” gostariam de “andar”. A maioria, na verdade, gostaria não apenas de levitar, mas se pudessem, voariam como verdadeiras águias ou gaivotas. Sobrevoar as alturas! Oh, arrogante ingenuidade! Ou seria ingênua arrogância?

Louvo a Deus por não ter mais essa consciência que de ciência nada tem. Pisar o chão é bom demais! Quem já experimentou uma turbulência aérea sabe bem do que estou falando. E quando o comandante avisa que não há previsão de pouso e que o combustível que resta só serve para alguns minutos, o desespero toma conta.

Na vida, viver turbulências, por incrível que pareça é ainda pior. Quem me conhece bem de perto, sabe das que vivi ultimamente. E se os pés não estiverem no chão, a gente sai por aí saltando de arranha-céus acreditando ser o super-homem, ou para ser mais próximo do momento, o próprio Spider-Man.

Só que nós não somos super-heróis. Somos gente e suficientemente gente. Sou fascinado por orações como a de Pedro: Senhor, retira-te de mim, porque sou pecador (Lc 5.8). Quando vemos a turbulência perdendo força e a Graça de Deus prevalecendo, dá vontade de pedir para Deus se retirar, pois sabemos o quanto somos indignos dEle.

Só aí percebemos o quanto merecemos a condenação, o castigo, o isolamento, a morte e o inferno. Quando vemos Deus nos agraciando com seu amor e cuidado, sendo nós quem somos. De qualquer maneira, é no chão da vida que as coisas acontecem, sejam boas, sejam ruins. Não é nos templos, não é nos montes, não é nos encontros religiosamente evangélicos, não é nos shows de música gospel nem na marcha para “Jesus”. Que Jesus, Senhor? Que Jesus receberia tantos sacrifícios presunçosos como forma de louvor?

As coisas acontecem no chão da vida, mas a alma é tranqüilizada quando percebemos que o chão da vida se tornou chão da Graça. É quando a caminhada, por mais espinhosa que pareça, não tenha que ser recheada com supersticiosos “ta amarrado”, nem com ingênuos “eu repreendo”, muito menos com blasfemos “tomo posse do melhor dessa terra”. Não, amados! Quem está no chão da Graça, sente a graça de ser acompanhado lado a lado por Jesus no chão da vida.

Quem está no chão da Graça, não se torna franciscano na aparência ou no discurso, apenas. Quem está no chão da Graça, ama até o pior e mais charlatão pastor evangélico que possa existir, não o ofendendo - como já fiz muito -, mas apenas orando por ele. Apenas, orando! Quem está no chão da Graça, não reduz a sua vida com Cristo numa comunhão estática sacralizando o espaço do templo ou o dia de domingo. Mas quem está no chão da Graça, se não sequer suporta a idéia de templo, não pisa nele também, quando convidado. Quem está no chão da Graça? Às vezes penso que ninguém! Ou às vezes imagino que somente os maltrapilhos estão, dos quais me compadeço com as palavras, mas não compartilho com eles o muito ou pouco daquilo que tenho. Dou não o que sobra, mas parte do que sobra! Que amor é este que tanto prego? Só falar é fácil, ainda mais quando o cifrão chega brilhar em meus olhos. E há também momentos em que penso que todos estão no chão da Graça, porque não é possível!

Até os pregadores da Graça têm me preocupado nos últimos dias, Jesus. Os da espiritualidade, os do ecumenismo, os progressistas, os comunistas cristãos, os da caminhada. Que caminhada? Graças a Deus que o Caminho é Cristo, apenas! Graças a Deus! Graças a Deus que é Ele o Caminho da Graça, em quem e com quem há chão da Graça, em meio ao chão da vida. Caso contrário, nem a igreja clandestina e subversiva escaparia.

Dou graças a Deus, pois no chão da Graça, as coisas são assim. Deus coloca pessoas "sem importância alguma para a maioria" para abençoar nossas almas. Gente como a gente. Gente que sorri; que recepciona; que chora junto; que diz o que tem de ser dito; que não faz aquela cara hipócrita de insatisfação na hora da piada, mas com uma vontade enorme por dentro de dar risada; gente que se for preciso não segura o palavrão, mas o pronuncia sabendo que não pronunciá-lo será ainda mais pecaminoso; gente que é gente.

No chão da Graça é assim. A consciência e as intenções limpas são o que prevalece. A Graça não se torna rótulo, mas realidade de vida de quem vive sorrindo ou chorando no chão da vida. É onde realmente há amor e simplicidade, desprendimento da matéria, riqueza na comunhão despretensiosa, liberdade em Cristo e compaixão pelo pobre.

na Graça,
Jefferson