sexta-feira, 19 de junho de 2015

Reflexão (91) - Quem for santo que atire a primeira pedra?


por Jefferson Ramalho

Toda semana tem uma nova! Na semana passada foi a história da intolerância dos conservadores religiosos contra a manifestação da transexual que, encenando a crucificação na Parada Gay, com o intuito de mostrar que até hoje os marginalizados são violentados inocentemente, acabou execrada por aqueles que dizem ser os representantes da verdadeira moral e dos bons costumes.

Agora, foi a vez da pedrada! Uma criança de 11 anos foi atingida por uma pessoa que, por certo, afirma-se cristã e pregadora do amor e da fé... sim, como aqueles que queriam apedrejar uma mulher cerca de dois mil anos atrás, mas que foram impedidos pela frase de Jesus de Nazaré quando este afirmou: quem não tiver pecado que atire a primeira pedra.

A diferença entre os dois casos é clara. Lá a mulher era acusada de adultério, o que não justifica qualquer ato de violência ou repúdio. Aqui, a jovem é apedrejada porque tem fé, porque segue uma tradição religiosa herdada de sua família, porque não faz parte da religião dos que se dizem conhecedores do amor de Cristo.

A verdade é que, segundo as estatísticas, tudo indica que daqui a algum tempo, não duvido nada se esses sujeitos não tornar-se-ão literalmente homens-bomba do cristianismo. Ora bolas! Eles já são homens-bomba, se pararmos para pensar. Eles acreditam que com a pena de morte e com a prisão de crianças em conflito com a Lei serão resolvidos os problemas da violência que existe na sociedade. Mas, ao mesmo tempo, apedrejam candomblecistas e umbandistas e afirmam-se contra o aborto, já que argumentam ser defensores da vida e da hipótese de que só Deus pode tirá-la. Que bagunça! Que salada! Que caos!

Há, é claro, entre os cristãos – católicos e protestantes – uma pequena parcela séria, que não aceita essa intolerância, esse ódio, essa violência promovida e propagandeada nos púlpitos das igrejas e na bancada evangélica do Congresso Nacional. Todavia, esses poucos pastores e padres que não concordam com a intolerância religiosa e moralista, por vezes, acabam execrados em seus próprios círculos de convivência. Haja vista o que ocorreu com Rubem Alves quando este negou-se apoiar o regime militar nos tempos da ditadura ou o que ocorreu com Leonardo Boff quando este escreveu em favor do pobre e contra a ostentação eclesiástica.

Portanto, encerro, sinceramente, sem muitas esperanças. Afinal, não duvido que na próxima semana tenhamos uma outra manifestação de ódio, expressa em forma de pregações, de palavras, de pedradas, de tiros, de bombardeios, por parte dessa turma que se diz seguidora e imitadora do amor de Deus, mas que no fundo, não passam de víboras, de cobras venenosas, como dizia um certo homem. Eles são semelhantes a sepulcros caiados, bonitos por fora, mas podres por dentro.

O problema maior é que são tratados e reconhecidos como santos pelos seus muitos seguidores, os quais, admirados e ingênuos, pagam o que for preciso para sentir os seus perfumes importados, mal sabendo que não passam de seres inescrupulosos, cuja essência fede mais que um corpo em avançada decomposição. 

J.R.

Foto: Alexandre Vieira / Agência O Dia

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Reflexão (90) - Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem!



por Jefferson Ramalho

Se você acha que estou, com este título acima, referindo-me aos milhares de seres humanos que estavam em São Paulo ontem lutando pelos seus direitos e, em meio ao movimento, simularam de maneira intolerante e agressiva a cena clássica da crucificação de Jesus, enganou-se.


Quem tem o mínimo de conhecimento bíblico com base numa exegese histórico-crítica bem elaborada, munida de ferramentas hermenêuticas livres das algemas dogmáticas e, é claro, sem medo de desconstruir quando necessário, saberá que o menos importante na narrativa da crucificação e de tantos outros episódios ali contados é a afirmação de sua veracidade factual.

Portanto, o mais importante, desde os novos parâmetros interpretativos inaugurados no auge do século XIX pelo pregador protestante, filósofo e teólogo Friedrich Schleiermacher (1768-1834), não é a historicidade de um episódio narrado na Bíblia, mas a mensagem que tal narrativa pretende passar. Essa perspectiva seria ampliada no mesmo século XIX e depois no XX por outros tantos intelectuais, quase todos de matriz protestante, como Adolf von Harnack, Rudolf Bultmann e Paul Tillich, cada qual em sua área de investigação.

Assim, o importante não é o milagre enquanto fato, mas o milagre enquanto metáfora que tem uma mensagem ética a ensinar. De que adianta acreditar na multiplicação dos pães como algo mágico, sobrenatural, fantasioso, se não aprendermos a dividir nossos pertences com quem não tem nada, como fez aquele menino que dividiu com milhares de pessoas seus únicos cinco pães e dois peixes, estimulando por meio do seu gesto a atitude de outros que também tinham e, sensibilizados, passaram a dividir?

Quem conhece o mínimo acerca da história de Jesus de Nazaré, independentemente de considerá-lo apenas humano, apenas divino ou simultaneamente humano e divino, sabe que o seu martírio representa a história de pessoas excluídas, discriminadas, oprimidas, marginalizadas. Portanto, não adianta absolutamente nada encenar a Paixão de Cristo todos os anos se não entendermos que aquilo tudo é mais que uma interpretação artística; que a Paixão de Cristo é, na verdade, não a teatralização anual da história de seu martírio, mas a história dos milhões de seres humanos que por causa da cor, da raça, do gênero, da condição sócio-econômica, da opção e condição sexual são martirizados todos os dias, injustamente. Sim, injustamente, pois não há culpa em nada disso, embora as “brilhantes mentes conservadoras” insistam em dizer o contrário.

Para não ficar enrolando, quero concluir dizendo de maneira simples e direta. Embora não tenha ido à Parada Gay, as imagens que vi na TV, na internet, em vídeo ou em foto, dessa cena, foram belíssimas – sim, belíssimas – pois apesar dessa cena representar um momento de dor e sacrifício de um ser humano, conseguiu trazer à tona aquilo que em sua origem, enquanto fato ou narrativa, pretendia transmitir como mensagem.

Talvez, nesses dois mil anos, poucas encenações da Paixão de Cristo conseguiram ser tão autênticas, verdadeiras e fiéis ao significado original da narrativa bíblica. Quando Jesus era crucificado, ali na Cruz não estavam os religiosos, os sacerdotes, os doutores da Lei, os teólogos conservadores, os guardiões da santa doutrina, mas os maltrapilhos de posse e de alma, os excluídos, os marginalizados, dentre os quais estão nossos milhares de semelhantes que são homo-afetivos, independentemente de como sua homo-afetividade de expressa.

Não houve blasfêmia, não houve intolerância, não houve cristofobia como alguns têm dito e postado ao longo do dia de hoje. Ao contrário, se Jesus estiver vivo, não tenho dúvida de que ontem Ele alegrou-se em ver que um ser humano finalmente entendeu o significado da Cruz, a saber, a expressão do grito oprimido de um inocente.

Enquanto isso, sobre os religiosos e doutores da Lei e da Moral de nosso tempo, sim, os Malafaias, os Felicianos, os Eduardos Cunha, os Bolsonaros entre outros tantos que estão, estes sim blasfemando, o Cristo estará bradando mais uma vez, lá do alto: Pai, perdoa-lhes, pois eles não sabem o que fazem.

J.R.