quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Reflexão (33) – Espiritualidade verdadeira


por Jefferson Ramalho

O que é espiritualidade? Diante de tantas obras publicadas a respeito desse assunto, fica difícil estabelecer um conceito único. E as obras que se dizem de espiritualidade, não são todas necessariamente escritas por cristãos protestantes. Na verdade, há espiritualidade segundo os conceitos católicos, segundo os conceitos espíritas e até mesmo segundo os conceitos budistas.

O fato é que esse tema tomou conta de boa parte das prateleiras das grandes livrarias, religiosas ou não. Mas antes disso, o anseio por uma espiritualidade verdadeira tomou conta dos corações e das almas das pessoas. Não apenas no Brasil, mas no mundo todo, fala-se muito, escreve-se muito e aspira-se muito uma espiritualidade autêntica que é capaz de trazer consigo uma bagagem repleta de paz, honestidade e acima de tudo, amor.

Neste sentido, conceitos teológicos à parte, as espiritualidades dos cristianismos católico e protestante, do budismo, do espiritismo ou de qualquer outra vertente religiosa, pregam a paz entre os homens, o fim das guerras, das corrupções, das infinitas formas de violência que existem, exceto a suposta espiritualidade dos fundamentalistas cristãos, islâmicos etc.

Enfim, são esses os objetivos da espiritualidade verdadeira, a qual pretende mostrar tais questões como sendo urgências que todo ser humano tem carregado dentro de si, tanto enquanto indivíduo como enquanto membro de uma sociedade.

Teologias e dogmas à parte novamente, pois há momentos em que conceitos teológicos não servem para nada a não ser para separar em vez de unir os seres humanos, a espiritualidade autêntica pode ser praticada de diferentes ou semelhantes formas, definida de iguais ou distintas maneiras, mas ela é única quando se trata de uma possibilidade do ser humano se auto-compreender.

Quando a espiritualidade é praticada, os conceitos teológicos e as formas podem ser as mais distintas, mas se ela é feita com pureza de coração e intenções humildes e sinceras diante do Sagrado, os resultados são sempre positivos. A auto-percepção, por exemplo, é uma das conseqüências imediatas e mais relevantes. Relevantes, porque é somente enxergando a si mesmo, que o ser humano consegue enxergar o seu próximo que se encontra aflito, angustiado, necessitado e carente de uma mão fraterna estendida e não com gestos de acusação, como quase sempre acontece.

Os que não se percebem, até conseguem enxergar o outro, mas o outro que peca, que está desviado da vontade de Deus, que está caído e que merece ser castigado por isso. Isso é o que eu chamaria de "Espiritualidade do fariseu". O fariseu, por ser extremamente ortodoxo e obediente à Lei, não consegue se enxergar, logo não consegue enxergar o outro. E quando enxerga o outro, o faz com uma capacidade enorme para acusar e julgar, sem piedade e sem misericórdia.

Quando nós enxergamos a nós mesmos, e isso é possível através dos exercícios de contemplação, silêncio e meditação – que são práticas comuns da espiritualidade clássica – automaticamente conseguimos enxergar o nosso próximo com outros olhos. Contemplamos nossa impureza e incapacidade, que nos leva a perceber o quanto somos carentes de misericórdia, graça e perdão. O quanto precisamos de uma mão estendida para nos ajudar e não uma mão apontando para nos acusar.

Se eu me vejo dessa forma, logo eu verei o meu próximo com as mesmas limitações, e não o tratarei mais como um pecador maldito que precisa ser julgado, disciplinado pelo sistema e envergonhado diante da comunidade, mas alguém que precisa ser amado, abraçado e acolhido.

E esse acolhimento somente o Senhor – para nós cristãos – pode oferecer. Mas não necessariamente de maneira sobrenatural, transcendente, distante, mirabolante, sobre-humana. Como diz meu amigo hebraista, prof. Edison Alonso, “não precisamos apelar pra metafísica sempre que formos falar a respeito das ações do Sagrado”. Na verdade, o Senhor oferece este acolhimento aos seres humanos necessitados, através de outros seres humanos necessitados.

É o chamado compartilhamento. Compartilhamento de bens, de sentimentos, de tempo, de vida. Grosso modo seria o seguinte: Vamos permitir que Deus seja Deus em nós para outras pessoas. Isto é espiritualidade verdadeira. Uma espiritualidade que me faz experimentar o que homens do passado como Isaías experimentou e disse: Ai de mim, que sou um homem de lábios impuros.

Quando contemplamos o Sagrado, o próprio Sagrado nos leva a enxergar o que há de mais profano em nós, para que eu não venha mais tratar a condição igualmente profana do meu irmão de outra maneira que não seja com misericórdia, graça e amor. É essa Espiritualidade que para mim faz sentido, independentemente da marca religiosa. E o resto é apenas resto.

na Graça,

Jefferson

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