sábado, 26 de janeiro de 2008

Reflexão (30) - Não tenho rótulos


por Jefferson Ramalho

Não sou liberal. Há algumas semanas tenho ouvido de alguns amigos, alunos e visitantes do blog que sou um liberal, por causa das coisas que venho escrevendo. Permitam-me compartilhar algumas definições básicas de liberalismo e de fundamentalismo. Tais conceitos me fazem acreditar ainda mais em uma frase de um professor que tive no último ano da faculdade de teologia, dr. Osvaldo Hack: "Todos nós temos um pouco de liberal, um pouco de conservador, um pouco de fundamentalista e um pouco de progressista."

O liberalismo protestante clássico, do século XIX, rompeu com várias peculiaridades ortodoxas da tradição cristã. Uma delas é a produção de Catecismos e Confissões de Fé, conforme foi feito pelos protestantes do século XVII. Neste sentido, não tem como não concordar com o liberalismo. Tudo o que trava a reflexão, manipula o conhecimento e paralisa a capacidade de pensar, é letal.

Com o advento da filosofia iluminista e todas as formas de racionalismos, com a chegada do método exegético histórico-crítico, e, sobretudo, com os avanços das ciências, da medicina e da tecnologia de um modo geral, não tem como escapar da coerência dos argumentos dos teólogos liberais.

Contudo, qualquer extremo se torna prejudicial. Muitos deles acabaram negando princípios básicos da fé cristã. A Divindade de Jesus Cristo, por exemplo, é um fundamento - embora este não seja um termo que eu goste de usar - que se negado, torna qualquer "fé cristã" inútil e imbecil.

Os liberais, por outro lado, salientaram o valor da questão ética, o que não pode ser desconsiderado por nenhum cristão, por mais fundamentalista que seja. Ou pode?

Já o fundamentalismo clássico, aquele que reagiu ao liberalismo, não foi de todo ruim. Os seus cinco pontos são apenas princípios que se negados integralmente, tornam a pessoa que os nega, qualquer coisa, menos cristã.

Por exemplo, tenho muitas dificuldades em aceitar o primeiro ponto que afirma a inerrância do texto bíblico, mas não consigo me contrariar à hipótese de que na Bíblia está a mensagem de Deus para o ser humano. Portanto, ainda que o texto não seja inspirado e inerrante, a Palavra de Deus enquanto mensagem está ali. Caso contrário, por que os que ingenuamente se dizem liberais, usam a Bíblia sempre que vão pregar alguma Mensagem?

O segundo ponto afirma o nascimento virginal de Jesus de Nazaré, ou seja, que Ele foi gerado pelo Espírito Santo. É óbvio que racionalmente, isto é um mito absurdo e sem sentido. Mas nisto consiste a fé cristã. Em crer em absurdos. Na verdade, se optarmos pela via racional, não acreditaremos em quase nada do que consta nas Escrituras. "O justo viverá pela fé" (Paulo).

A expiação vicária de Cristo é o terceiro ponto. Ora, se Cristo não morreu pelos pecadores, a fé cristã perde todos os seus significados. Ele não morreu apenas para ficar para a História. Sua morte tem um sentido espiritual singular. Quem nega esse princípio, não é autenticamente cristão.

A ressurreição corpórea de Jesus e sua segunda vinda, são outros dos muitos absurdos que o Fundamentalismo, com propriedade, ratificou. A fé proposta pela Bíblia é aquela que leva o ser humano a acreditar que o Filho de Deus está vivo, pois venceu a morte, e que Ele voltará. Não crer nesses princípios, não seria apenas ser liberal, mas seria o mesmo que não ser cristão conforme o Evangelho.

Finalmente, o quinto ponto diz que os milagres relatados na Bíblia aconteceram na História. É possível que eles tenham acontecido, pois não podemos limitar a Deus e ao Seu poder. Contudo, muito mais importantes que os milagres enquanto fatos históricos, são os milagres enquanto Mensagem para a vida humana.

O Fundamentalismo, com o passar das décadas, ganhou outro significado. Passou a ser sinônimo de intolerância, terrorismo e oposição à abertura ao diálogo. Neste sentido, ser fundamentalista é inescrupuloso. O liberalismo também ganhou novos significados devido aos extremos que alguns liberais assumiram. Ser liberal, portanto, passou a ser o mesmo que incrédulo e agressor da essência da fé cristã ortodoxa. Mas todo liberal que impede um conservador de expressar sua opinião conservadora, também se tornou um fundamentalista, pois ele só permite a fala aos que defendem sua linha de pensamento.

Enfim, não consigo ver em mim qualquer um destes rótulos: conservador, liberal, fundamentalista, progressista. Primeiro, porque ainda sou apenas um teólogo em fase embrionária. E o que é pior: com as limitações que tenho, nem sei se um dia conseguirei ser um teólogo. Acho infeliz a afirmação ingênua de alguns bacharéis em teologia que estufam o peito para dizer: "sou teólogo". Imagino Agostinho, Tomás de Aquino, Martinho Lutero, João Calvino, Karl Barth e Rudolf Bultmann, por exemplo, contemplando um desses bacharéis em teologia se identificando como teólogos.

Em segundo lugar, vejo pontos positivos e negativos em todas essas linhas. Por esta razão, prefiro trazer para mim o que vejo de bom em cada proposta. No fim das contas, quero ser alguém que não é contrário à reflexão, à diversidade, ao livre pensamento, às várias leituras sobre a fé, e, ao mesmo tempo, alguém que não deixou de acreditar que Jesus é Deus, que Ele nasceu da Virgem Maria, que Ele morreu por meus pecados, que Ele ressuscitou dos mortos e que Ele voltará, pois as Escrituras enquanto texto que contém a Mensagem de Deus para os seres humanos, assim afirmam.

na Graça,

Jefferson

Um comentário:

Marcio Alves disse...

Olá Jefferson

Meu nome é Marcio tenho um blog que se chama “outro evangelho”, que assim como você, não consigo ainda me definir totalmente – e, espero que eu nunca consiga. Rsrsr – nem mesmo parcialmente, pois assim como você leio de tudo um pouco e vou tentando somar os pontos que acredito serem relevantes para minha fé, mas principalmente sou a favor da reflexão total, ou seja, repenso todos os dogmas do cristianismo, questionando e reformulando novos conceitos.

Minha proposta é uma teologia aberta, para o dialogo e reflexão, mesmo alguns assuntos serem definidos por mim em minhas postagens, eu os considero parciais e abertos, talvez o meu dogma seja o não=dogma, um paradoxo por sinal.

Eu tenho uma frase que sintetiza bem minha teologia que é: “são frágeis percepções condenadas a eternas reformulações”.

Gostei de sua postagem e blog, vou colocá-lo em meus favoritos, gostaria de seguir o seu blog, mas não encontrei o gadget dos seguidores no blog, mesmo assim voltarei mais vezes para dialogarmos.

Inclusive, faço parte de um grupo de pensadores, os quais, nos encontramos na blogosfera se nunca antes termos nos conhecido, e desde então sempre que postamos todos se reúnem e discutimos nossas idéias.

O nosso grupo se chama: “confraria dos pensadores fora da gaiola”, e a temática que estamos discutindo em meu blog é sobre “Crise existencial”, se quiser aparecer e dar sua contribuição comentando, será bem vindo por todos e um imenso prazer, pois fazemos teologia nos divertindo e fazendo amigos.

Abraços e volto em breve para ler outras postagens suas e comentar.