segunda-feira, 24 de março de 2008

Reflexão (37) - Orar - por Frei Betto


por Frei Betto

Orar é entrar em sintonia com Deus. Há muitas maneiras de fazê-lo, e não se pode dizer que esta é melhor que aquela. Há orações individuais ou coletivas, baseadas em fórmulas ou espontâneas, cantadas ou recitadas. Os salmos, por exemplo, são orações poéticas, das quais cerca de cem expressam lamentação e/ou denúncia, e cinqüenta, louvor.

Nós, ocidentais, temos dificuldade de orar, devido ao nosso racionalismo. Em geral, ficamos na soleira da porta, entregues à oração que se apóia nos sentidos (música, dança, mirar vitrais ou paisagens etc) ou na razão (fórmulas, leituras, reflexões etc).

Orar é entrar em relação de amor. Como ocorre entre um casal, há níveis de aprofundamento entre o fiel e Deus. Uns oram como o namorado que fala demais no ouvido da namorada. Como se Deus fosse surdo e burro. Parecem aquela tia que liga e fala tanto, tanto, que minha mãe deixa o fone, mexe a comida nas panelas, e retorna, sem que sua ausência seja percebida.

Jesus sugeriu não multiplicar as palavras. Deus conhece os nossos anseios e necessidades. O próprio Jesus, narra o evangelho, gostava de retirar-se para lugares ermos para entrar em oração. 'Jesus foi para a montanha a fim de orar. E passou toda a noite em oração a Deus' (Lucas 6, 12).

Na oração, é preciso entregar-se a Deus. Deixar que ele ore em nós. Se temos resistência à oração é porque, muitas vezes, tememos a exigência de conversão que ela encerra. Parar diante de Deus é parar diante de si mesmo. Como num espelho, ao orar vemos o nosso verdadeiro perfil - dobras do egoísmo realçadas, mágoas acumuladas, inveja entranhada, apegos enrijecidos. Daí a tendência a não orar ou fazer orações que não revirem ao avesso a nossa subjetividade.

Os místicos, mestres da oração, sugerem aprendermos a meditar. Esvaziar a mente de todas as fantasias e idéias, e deixar fluir o sopro do Espírito no silêncio do coração. É um exercício cujo método da literatura mística ensina. Mas é preciso, como Jesus, reservar tempo para isso. Assim como a relação de um casal arrefece se não há momentos de intimidade, do mesmo modo a fé se debilita se não nos recolhemos em oração.

Oramos para aprender a amar como Jesus amava. Só a força do Espírito dilata o coração. Portanto, uma vida de oração se avalia, não pelos momentos entregues a ela, e sim pelos frutos na vida cotidiana: os valores elencados como bem-aventuranças no Sermão da Montanha (Mateus 5, 1-12). Ou seja, pureza de coração, desprendimento, fome de justiça, compaixão, destemor nas perseguições etc.

Orar é deixar-se amar por Deus. É deixar o silêncio de Deus ressoar em nosso espírito. É permitir que ele faça morada em nós. Sem cair no farisaísmo de achar que a minha oração é melhor do que a sua, como aquele fariseu frente ao publicano (Lucas 18,9-14). Quem ora procura agir como Jesus agiria. Sem temer os conflitos decorrentes de atitudes que contradizem os antivalores da sociedade consumista e individualista em que vivemos.

Orar é subverter-se a si próprio. Centrado em Deus, o orante descentra-se nos outros, e imprime à sua vida a felicidade de amar porque se sabe amado. Parafraseando Jó, antes de orar se conhece a Deus 'por ouvir falar'. Depois, por experimentar. O que levou Jung a exclamar: 'Eu não creio. Eu sei'.

2 comentários:

Anônimo disse...

E ae, Jefferson, blz?
Belo texto, grande reflexão.
Abraço,
André

Paulo Costa disse...

Reflexão profunda, bela, rica. Gostei imenso! Cheguei aqui através do seu perfil no Orkut.
Partilho consigo este pensamento de Henri Nouwen:" A oração é a disciplina do momento presente. Quando rezamos, entramos na presença do Deus cujo nome é Deus-connosco. Rezar é escutar atentamente Aquele que se dirige a nós aqui e agora."
Convido-a a visitar os meus blogs: http://www.seguirjesus.blogspot.com
http://www.abrigodossabios-paulo.blogspot.com
Teria muito gosto que aceitasse o meu pedido de amizade no Orkut.
Vou linkar o seu blog no meu Conhecer e Seguir Jesus.
Abraço fraterno em Cristo.