sábado, 7 de janeiro de 2012

Reflexão (80) - A era dos defuntos esbeltos

por Jefferson Ramalho

“Uma próspera cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?” (Frei Betto)

É isso mesmo! Lendo este trecho do artigo de Frei Betto que fiz questão de postar aqui no blog há algumas semanas, passei a me incomodar de tal maneira que, imediatamente cheguei à conclusão seguinte: estamos nos aproximando da era dos defuntos esbeltos.

É uma verdadeira doença o que vem acontecendo nas últimas duas décadas, e com uma tendência agressiva de aumentar ainda mais o número de pessoas contaminadas por este vírus. Como bem disse Frei Betto, nada contra a malhação do corpo, mas como fica a malhação do cérebro? Quanto à do espírito, deixo por conta dele que, afinal de contas, antes de ser intelectual, é sacerdote dominicano. Prefiro abordar acerca dessa epidemia que tem a cada dia feito com que as pessoas passem a acreditar que o fato de se tornarem cada vez mais bem preparadas fisicamente, seja através de qual recurso for, permitirá que elas consigam cumprir a responsabilidade que lhes cabe em atrasar o dia da morte.

Não estou dizendo que médicos, preparadores físicos e especialistas estejam todos errados em suas orientações e conhecimentos. Por favor, não sou idiota! Ora, o que dizer daquele que se dedica apenas e intensamente às atividades que visam a saúde do corpo, mas que se priva da beleza de ouvir com a imaginação a voz de poetas, romancistas, filósofos, contadores de histórias e cordelistas? Quando os tais leem alguma coisa, insisto, são seduzidos pela fascinação que geram escritores de romances ou manuais enlatados, quase sempre, de matriz norte-americana ou, se preferirem, estadunidense. Para ler e compreender Dan Brown, por exemplo, não é necessário que se tenha muito cérebro, basta gostar de historinhas facilmente adaptáveis e compatíveis ao universo cinematográfico hollywoodiano.

Por isso insisto, há que se resgatar o prazer pela leitura de Machado de Assis, de Fernando Pessoa, de João Guimarães Rosa, de Monteiro Lobato e, para não parecer saudosista, de escritores mais contemporâneos, mas que escrevam aquilo que vale a pena ler. O próprio Frei Betto, por exemplo, que conquanto seja religioso, escreve sobre questões que não estão obrigatoriamente relacionadas ao universo da espiritualidade.

O problema, infelizmente, sabe qual é? É que as pessoas preferem aplaudir aquilo que não exigirá tanto de suas mentes. É como acontece na música. É mais fácil e confortável aplaudir Claudia Leite “cantando” conforme vi horas atrás no Programa Altas Horas a aplaudir e, mais do que isso, prestar atenção e pensar sobre o que cantava Gal Costa, no mesmo Programa, fazendo dueto com Caetano; é mais fácil entrar no ritmo de Michel Teló “cantando” “delícia...ai se eu te pego...” a sentar e ouvir uma boa moda de viola cantada e tocada por Tião Carreiro ou, para não ir tão longe, por Almir Sater; é mais fácil, se evangélico, gostar de Ludmila Ferber, Ana Paula Valadão e Cassiane a parar para ouvir uma boa música cristã, apenas com voz e violão, como as que fazem João Alexandre, Stênio Marcius, Jorge Camargo e Gerson Borges, por exemplo.

Enquanto isso, as academias – não as platônicas, é claro – estão cada vez mais cheias de pessoas vazias; vazias de pensamento crítico, vazias de conhecimento literário, vazias de posicionamento político coerente seja de esquerda seja de direita, vazias de sensibilidade para com o outro. Por favor, não estou generalizando. É claro e óbvio que nesses ambientes há gente séria, equilibrada e que na mesma medida malha o corpo e o intelecto, mas convenhamos, temos de reconhecer que não se trata da maioria. Muito pelo contrário!

Acho engraçado quando as pessoas falam: "Meu Deus, se eu fico um dia sem ir pra academia, fico péssima(o)". Confesso que não sei porque, pois eu parei de frequentar a academia no início de dezembro e não estou sentindo a mínima falta. Além disso, só vou voltar em fevereiro, porque já paguei as mensalidades adiantado e não posso perder esse dinheiro. Ou seja, minha esposa e eu trancamos matrícula na tal academia porque precisávamos de tempo para concluirmos nossas dissertações de mestrado, e só voltaremos para não ficarmos com o peso na consciência de que jogamos dinheiro fora, caso contrário, podem estar certos, não voltaríamos.

Com isso, encerro sem muitas conclusões; apenas concordando com Frei Betto, devo ressaltar que, graças ao combate à obesidade que se tem feito nos últimos anos – o que é de suma importância e deve continuar, desde que feito com respeito para com os gordinhos como eu e seriedade profissional – mas o fato é que nas próximas décadas as funerárias deverão disponibilizar caixões mais leves, consequentemente mais baratos (imagino), pois a clientela não será mais tão pesada assim, tanto fisicamente quanto intelectualmente.

ainda em férias,
Jefferson

Um comentário:

denis disse...

Me sinto lisonjeado em ter acesso á tais textos. Paz e Sabedoria.