quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Reflexão (64) - As 10 palavras que mais me incomodam! [Primeira reflexão do ano]


por Jefferson Ramalho

Gente querida,

2010 já começou, planejamentos já estão em andamento e as idéias novas não param de chegar. Já tenho quase toda a lista de palestrantes dos Cafés Acadêmicos deste primeiro semestre, e assim que estiver pronta irei postá-la. Falta pouco!

Esta é efetivamente minha primeira reflexão do ano aqui no blog e gostaria de escrever algo num formato diferente, mas não sem o teor crítico que adotei desde o início, em 2007, quando o blog passou a existir.

Quero destacar e comentar um pouco a respeito de dez termos que em quase todas as vezes que ouço, sinto náuseas. Além desta sensação, dói a alma, não somente os ouvidos. Algumas são palavras que tiveram significados originais belíssimos; outras, nem quando surgiram no contexto religioso, tiveram boa conotação.

O fato é que com o passar dos anos e dos séculos, estas palavras tiveram seus significados invertidos, e invertidos de tal maneira que perderam completamente a relação essencial com o Evangelho – a Boa Nova – anunciada por Jesus de Nazaré, Aquele Humano, demasiado Humano, que viveu aproximadamente dois mil anos atrás em Israel.

Quero, portanto, mencionar estes termos, pensar em suas conotações originais e, infelizmente, ter que compartilhar as inversões de seus significados, o que me causa tamanho incômodo.

Apóstolo: Esta é a primeira palavra que me causa ânsia em quase todas as vezes que a ouço. Seu sentido original é belíssimo, pois se refere à maneira como deveriam ser identificados aqueles que foram pessoalmente comissionados por Jesus de Nazaré, e este já ressuscitado segundo a crença cristã. O Novo Testamento, tanto nos evangelhos como no livro de Atos, demonstra que tanto os discípulos de Jesus como aquele homem chamado Saulo de Tarso puderam ser considerados apóstolos exatamente em função desta experiência extraordinária que tiveram. Além deles, os que lhe sucediam ou mesmo os que lhes acompanhavam, eram reconhecidos como tais. Barnabé, por exemplo, foi um destes. Só que hoje, graças ao neopentecostalismo, sei lá porque, deu um surto em Deus – como se Ele tivesse alguma relação com essa paranóia – os apóstolos ressurgiram. Sem ter que perder muito tempo e energia falando sobre as razões que me causam náuseas todas as vezes em que ouço esta palavra, basta lembrar da diferença entre os apóstolos do Novo Testamento e os apóstolos da atualidade. Isso basta!

Determinar: Os que mais utilizam este termo são capazes de afirmar que ele é sinônimo de pedir. Erroneamente se sustentam na orientação do Nazareno, quando este disse: “tudo o que pedires ao Pai em meu nome, crendo, recebereis”. Mas dizem eles que a palavra “determinar” é mais apropriada. Ora, devemos então determinar ao Pai, em nome de Jesus, aquilo que queremos? Deus, agora, não é mais Senhor? Ele se tornou um escravo dos meus luxos e vontades? Aí os espertalhões tentam resolver o problema dizendo: “não, na verdade, determinamos ao demônio, não a Deus”. Bem, se assim for, a passagem bíblica citada não é mais a melhor para sustentar tal prática, pois nela refere-se a um diálogo com Deus, não com o demônio. De modo que, todas as vezes em que ouço a palavra “determinar”, sinto um incômodo terrível, pois imediatamente a associo à prática absurda tão comum entre os chamados evangélicos.

Disciplina: Ah, esta não me causa incômodo, se mencionada no sentido correto e mais apropriado. Alguém, por exemplo, que exerce disciplina sobre si mesmo, buscando equilíbrio em qualquer área de sua vida, não somente a espiritual e religiosa, pode usar apropriadamente o termo “disciplina”. O problema é que entre os crentes, “disciplina” virou sinônima de punição, castigo, interdição. Um dos meus professores graduação, dr. Ricardo Quadros Gouvêa, disse certa vez em aula: “ uma das coisas mais anti-bíblicas que existem é a disciplina”. Concordo com ele e sempre concordarei. Lembro-me da parábola conhecida como “parábola do filho pródigo” e percebo sempre que dela me lembro, que aquele pai amoroso não disciplinou seu filho, sendo que do ponto de vista evangélico tinha todas as razões para fazê-lo. Mesmo o recebendo em casa, teria que lhe aplicar um castigo. Mas não, aquele pai simplesmente o recebeu e o honrou como se nada tivesse acontecido. É absurda a postura das igrejas evangélicas quando estas disciplinam seus fiéis por terem cometido erros que qualquer ser humano está sujeito a cometer. É abuso de autoridade, é falso zelo, é semelhante àquela igreja medieval que através do Tribunal da Inquisição interditava os fiéis que questionavam os abusos do clero. Às vezes digo que nem a igreja católica medieval conseguiu fazer tanto mal em nome de Deus às almas das pessoas como a maioria das igrejas evangélicas da atualidade faz aos seus membros.

Evangélico: A palavra “evangélico” perdeu completamente o seu real significado. Evangélico não é mais aquele que segue o Evangelho, mas é aquele faz parte de alguma igreja evangélica, a qual normalmente se perde na arrogância de afirmar que somente ela pratica genuinamente o Evangelho. Evangélico não é mais uma identidade, mas um rótulo, e dos mais vergonhosos. Sempre que alguém me pergunta se sou evangélico eu digo que não sou! Mas não só pela vergonha! Digo que não sou porque não sou, mesmo. Não acredito neste Deus tirano, disciplinador, egoísta, egocêntrico, suscetível às barganhas das piores espécies, circense, explorador, acerca do qual os evangélicos tanto pregam. Se seguir este deus é ser evangélico, não o sou. Sou um ser humano que acredita na relevância e singularidade da mensagem de Jesus de Nazaré, que abomina a riqueza alcançada por meio da exploração de gente nada favorecida, que ama o pobre, que não se revela como um Ser Todo Poderoso, mas como ser simples e entregue silenciosamente às piores acusações. Sou pecador, e me parece que a grande síndrome evangélica é com a dificuldade de se afirmar “pecador”. Não tem problema! Prefiro continuar pecador!

Heresia: Palavra bendita e maldita! Bendita porque significa escolha, opção. Quer significado mais belo que este? Um verdadeiro louvor à liberdade humana, capaz de optar pelo caminho que lhe for mais interessante. Uma declaração heterodoxa das mais sublimes. Portanto, no sentido grego, não haveria maior beleza do que a de ser um autêntico herege, ou seja, aquele ser humano que é capaz de escolher, optar. Infelizmente, a cristandade, da Patrística pra frente, a medieval ainda mais, transformou o sentido desta palavra bela. Heresia não é mais um símbolo da liberdade, mas um sinônimo de maldição, desobediência, discordância daquilo que o clero estabelece como verdade absoluta, correto, universal, ortodoxo, autenticamente divino. Causa-me um incômodo enorme, e neste caso, não somente incômodo, mas tristeza, quando vejo os protestantes de maneira geral, ou seja, históricos, pentecostais e neopentecostais, usando esta palavra de maneira acusativa ao se referir a alguém que pensa diferente. Eu mesmo sou vítima dessa prática infeliz. Sou, muitas vezes, taxado de herege por amigos, alunos e professores que lecionam nos mesmos seminários que eu. Se fosse no sentido grego, ficaria muito feliz, mas o problema é que sou taxado como herege no sentido mais pejorativo possível – quase sempre num tom de brincadeira, mas toda brincadeira pode ter seu teor de verdade. Esta, portanto, é uma das palavras que mais me incomodam, se não for a pior, das dez que aqui estou comentando.

Livramento: Não gosto dessa palavra. Penso nela associando a um Deus que exclui pessoas, pois se Ele livra alguns, não livra outros. Quantos não foram agraciados pelo livramento de Deus, e acabaram morrendo em acidentes catastróficos? Muitos! Por isso minha dificuldade, muitas vezes, em agradecer a Deus! Como agradecer por livramento, quando a maioria não recebe tal dádiva? Exatamente! Esta é outra palavra que me incomoda, e esta, em particular, por demonstrar a incapacidade de auto-percepção daqueles que a utilizam. Se esquecem que muitos não têm suas vidas preservadas em acidentes, que muitos morrem de fome, que muitos são brutalmente violentados e assassinados em assaltos, que muitos ficam desempregados, que muitos morrem das piores doenças, que muitos são roubados, que muitos são sozinhos.

Prosperidade: Se prosperidade é algo que não se reduz a dinheiro e poder sobre os outros, faço votos que você seja próspero em 2010 e em todos os anos que virão. O problema é que esta palavrinha, evangelicamente falando, significa resultado de um processo de barganha com Deus, como se Deus com alguém barganhasse qualquer coisa. “Quem a Ele deu o suficiente para ser restituído?”, escreveu Paulo aos romanos. Pois é! Tem muita gente que acredita que ao depositar dinheiro no altar sagrado da igreja evangélica em que frequenta, que ao se tornar associado do programa evangélico da TV, que ao fazer votos e sacrifícios ou ao participar de campanhas de todos os tipos, conseguirá convencer a Deus de que é merecedor daquilo que tanto anseia. E essa mentalidade existe graças à necessidade que a maioria das igrejas evangélicas tem de pagar suas contas, construir seus mega-patrimônios e darem aos seus pastores uma vida que poucos empresários do mundo possuem. É isso mesmo! Aí eu pergunto: qual a relação existente entre estas práticas e Jesus de Nazaré?

Riqueza: É mais fácil qualquer coisa acontecer do que um rico entrar no Reino. Esta, em linhas gerais, foi a afirmação de Jesus. Categoricamente ele exclui a riqueza existente a partir da exploração dos mais pobres. E o pior é que se formos realistas, para que alguém seja rico, é preciso explorar a mão-de-obra, o tempo, as energias, a necessidade de sustento, a inteligência e todas as qualificações de outros. Ninguém consegue ficar sozinho se não apelar para este mecanismo. Há aqueles que ficam ricos enquanto empregados. Estes se forem realistas, reconhecerão que conquanto não explorem ninguém, concordam com este sistema, mas a fortuninha que possuem não se compara a fortuna de seus patrões. Este é o capitalismo! E o pior é quando o capitalismo se torna ainda mais evidente através da manifestação de uma doença chamada “consumismo”. Os evangélicos, principais vítimas da teologia da prosperidade, são o tempo todo estimulados a consumirem, pois são levados a acreditar que por possuir é que sua espiritualidade pode ser considerada eficaz, de modo que o contrário, ou seja, o não possuir, lhes caracterizará como pessoas sem fé, cuja vida religiosa possui certas deficiências que precisam ser corrigidas. E como se aplica tal correção? Pagando!

Tremendo: Esta palavra me incomoda, pois parece ser aquele tipo de palavra usada quando não se tem outra para usar. Os evangélicos são especialistas nisso. Tudo é tremendo! Se um pregador famoso soltar um “peido” acho que eles são capazes de dizer: que tremendo! Exatamente! E essa doença já atingiu muitos católicos, também, com a onda dos padres cantores. Tudo é tremendo! Só não conseguem perceber o quanto é tremendo a incapacidade deles de perceberem a maneira como são manipulados por seus líderes.

Unção: Finalmente, outra palavra cujo significado original era belíssimo, mas que com o tempo perdeu o sentido. Unção significa vocação, escolha. Hoje, graças aos pentecostais e neopentecostais, unção é algo que se sente. Basta um arrepiozinho na barriga ou em outra parte do corpo – qualquer parte – que já se diz: que unção gostosa! Tem gente que vai buscar unção em outros lugares, outros pedem para o pastor lhes transmitir a sua unção ministerial, sem falar daqueles que caem na unção. Pois é! Por causa dessas aberrações, o termo unção, que deveria agradar os ouvidos, incomoda, irrita, pois sabemos que na maioria das vezes – quase sempre – não está sendo aplicado da maneira correta.

Junto com estas dez, há muitas outras palavras que me incomodam: vitória, testemunho, aleluia, tomar posse, não aceito isso, e tantas outras expressões desse vocabulário evangélico dos nossos dias. O que fazer? Parece-me que esta situação tende claramente a piorar, cada vez mais.

na Graça,
Jefferson

2 comentários:

Jonadabe Rios disse...

Faço das suas palavras as minhas!

Ta aí mais uma palavra que me incomoda: Gospel.

Hoje em dia as pessoas pensam que só por conter palavras cristãs, palavras retiradas da bíblia ou personagens bíblicos essa musica é cristã e uma adoração a Deus, melhor dizendo: gospel.

Tem dia que estou na igreja, e começam a cantar aqueles "louvores", ao eu..digo... a Deus... chega dá vontade de sair.

Pulando pra lá e pra cá nos shows gospel, paquerando garotas gospeis, ficando com figuras gospeis e beijando de forma gospel (não digo fazendo sexo gospel porque só se sabe que fizeram quando deixam de participar da santa ceia por esse ou um motivo parecido).

Como você disse, isso é tremendo! Não sei como não percebem que isso tudo é jogada pra ganhar dinheiro e manipular as pessoas (claro que tem gente que faz isso sinceramente).

Daqui há um tempo já vai surgir o bordel gospel, com prostitutas todas gospel, pra tomar uma cervejinha gospel (não que seja errado tomar cerveja, porque a cerveja gospel não tem alcool, você se embreaga na unção, rsrs), baseado gospel, com camisinha gospel (porque transar com camisinha do mundo é pecado), enfim um mundão gospel cheio corações iludidos em suas proprias vontades.

Ontem eu estava comentando de uma musica que gostava, a garota disse que era errado pois, segundo ela, quem ouve musica "do mundo" está adorando a satanás. E ela falou sério.

Isso é uma pena!

Leila Michele disse...

Olá professor Jeferson!
Sabe que lendo esse post, percebi que sempre quis dizer isso, só não sabia como...me senti leve como se o mesmo fosse de minha autoria...
Ando numa maré meio brava com relação à religião e ando sendo taxada de herege por isso...meu esposo e eu ficamos sem ir à igreja por algum tempo e os crentes cheios de "unção" ligaram na nossa nossa casa perguntando se podiam nos excluir do hall de membros, porque eles têm essa regra de uq ese ficar" três ceias sem participar é excluído" e havia uma polêmica de um grupo que queria que excluísse e outro que "segurasse" a nosa família na igreja...blá,blá,blá! Falei que podia excluir então e foi assim...isso é realmente o que Deus quer que seja igreja? Acho que não!!
Tenho estado umtanto quanto ressentida, com a igreja nem mesmo tenho vontade de participar de cultos...as vezes acho que tb estouerrada pensando assim, de modo tão radical...mas éoque sinto.
abraços e parabéns pelo casamento.