segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Reflexão (22) - Artimanhas do calendário


por Frei Betto

Uma pergunta que sempre me fazem: por que a data do Carnaval é alterada todo ano e quais os critérios? Este ano o domingo de Carnaval caiu em 18 de fevereiro; em 2008, será dia 3 do mesmo mês. Mudam também as datas da Semana Santa, de Corpus Christi de outras efemérides litúrgicas.

Nosso calendário gregoriano é solar, ou seja, regido pela translação da Terra em torno da estrela que nos ilumina. O calendário litúrgico é lunar, espelha-se nas fases da Lua.

A Páscoa é festa central da liturgia, tanto judaica (os hebreus libertos da escravidão no Egito) quanto cristã (a ressurreição de Jesus). Páscoa significa “passagem” (da opressão à libertação ou da morte à vida plena).

É sempre comemorada pelos judeus na primeira lua cheia do mês de Nisan. Este mês do calendário judaico corresponde ao período entre 22 de março e 25 de abril.

Para evitar confusão com a festa judaica de mesmo nome, a Igreja adotou o domingo seguinte ao da Páscoa judaica como o da celebração da ressurreição de Jesus. Para nós que vivemos no hemisfério Sul, o domingo de Páscoa é, portanto, aquele que se segue à primeira lua cheia do outono. Neste ano, 8 de abril; em 2008, 23 de março.

E como se determina a data do Carnaval? Esta é uma festa originariamente religiosa. Carnaval significa “festa da carne”, ou seja, período prévio à Quaresma - que se inicia na Quarta-Feira de Cinzas -, e no qual os cristãos se fartavam de carne, já que, outrora, a Igreja exigia-lhes dela se abster no decorrer dos quarenta dias seguintes.

O domingo de Carnaval é sempre o sétimo antes da Páscoa cristã. A quinta-feira de Corpus Christi é sempre a primeira depois do domingo da Santíssima Trindade, comemorado 57 dias depois da Páscoa.

Assim, o domingo da Páscoa é a data de referência das demais festas litúrgicas chamadas móveis, pois há as imóveis, como o Natal, comemorado invariavelmente a 25 de dezembro, não importa o dia da semana em que caia.

A política não é tudo, mas em tudo há política. Disso o calendário é um bom exemplo. Outrora o mês de julho era chamado de quintilis, quinto mês do calendário romano, que se iniciava em março. Agosto era o sextilis, o sexto. Os nomes dos meses seguintes ainda guardam ressonância daquele calendário: setembro (sétimo), outubro (oito), novembro (nove) e dezembro (dez).O imperador Júlio César (100 a.C. - 44 a.C.) decidiu batizar o mês de seu nascimento, quintilis, com o próprio nome: Julho. Sucedido no trono pelo imperador Caio Júlio César Octaviano Augusto (63 a.C – 14 d.C.), este achou por bem merecer honra equivalente a de seu antecessor e, assim, trocou o nome de sextilis para agosto.

Havia, porém, uma pequena diferença: julho possui 31 dias e, agosto, na época, apenas 30, conforme a alternância dos meses. Como vontade de rei é lei, arrancou-se um dia de fevereiro, de modo a tornar agosto igual a julho em número de dias. Se Júlio César nasceu a 13 de julho, Otávio Augusto, por coincidência, morreu a 19 de agosto.

Todos os povos que seguem um calendário anual celebram a chegada do ano-novo, denominada, entre nós, réveillon, do verbo francês réveiller, que significa “despertar”. Foi o imperador Júlio César que, no ano 46 a.C., decretou o 1º de janeiro como primeiro dia do ano-novo. Celebrava-se na data a festa de Jano, deus dos portões, dotado de duas faces, uma virada para frente, outra para trás. De Jano se originou janeiro.

Os nomes dos dias da semana se originam, em português, da classificação de Martinho de Dume, bispo de Braga, Portugal, no século VI. Ele denominou, em latim, os dias da Semana Santa como aqueles nos quais não se devia trabalhar: feria secunda (segundo dia de feriado ou férias), feria tertia etc. Feria resultou na corruptela feira.

O imperador Constantino (280-337), convertido ao cristianismo, já havia denominado Dies Dominica, “dia do Senhor”, domingo, o primeiro dia da semana. No sétimo dia foi mantido o nome judaico, sábado, que vem do hebreu shabbat.

Outros idiomas latinos conservam os nomes pagãos dos dias, concernentes aos planetas, como é o caso do francês, do italiano e do espanhol. Na língua de Cervantes segunda-feira é lunes, de Lua; terça, martes, de Marte etc.

Todas essas convenções e denominações estão calcadas em dois fenômenos inelutáveis: em sua dança cabrocha em torno do mestre-sala, o Sol, a Terra conhece quatro estações, e não apenas a Estação Primeira de Mangueira: verão, outono, inverno e primavera. E nós, a infância, a adolescência, a juventude, as idades adulta e idosa, ainda que, hoje, muitos insistam em perpetuar a terceira fase e encarem a velhice como vergonhosa fatalidade da qual tentam escapar camuflando-a sob os recursos da bioplastia. Ignoram que juventude é estado de espírito, e nada mais feio do que, num corpo esbelto, uma alma enrugada.

Feliz Ano-Novo, queridos leitores e leitoras!

Frei Betto é escritor, autor de “A arte de semear estrelas” (Rocco), entre outros livros.


sexta-feira, 28 de dezembro de 2007

Vídeo (5) - Pense comigo 4 com Caio Fábio


Abaixo, a 4ª edição do programa Pense comigo, com o pr. Caio Fábio.


De todas, esta é minha preferida. Confira!

Abração.

na Graça,

Jefferson


quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Reflexão (21) - Depositaram dinheiro na minha conta


por Jefferson Ramalho

Quando eu era uma “criança evangélica”, eu conseguia acreditar nessa estupidez. O engraçado é que o tal anjo ou deus ou seja lá quem for o mamon que faz esses depósitos inusitados em contas bancárias de crentes, só o faz em contas de pastores, de líderes, de quem tem o microfone na mão.

Este tipo de “testemunho” mostra ainda mais o quanto o povo evangélico adora adorar o dinheiro e as riquezas. O pior de tudo é que para tornar tal prática uma blasfêmia, eles colocam o Nome do Altíssimo na conversa e afirmam sem nenhum temor que foi Deus ou um enviado Seu – no caso, um anjo – quem fez o tal depósito.

Fico enojado quando ouço esse tipo de coisa. Não consigo engolir mais esta aberração. Mais uma vez tenho de concordar com aqueles que enfatizam que o culto evangélico em sua esmagadora maioria se tornou um verdadeiro circo, uma verdadeira palhaçada.

A pessoa que diabolicamente afirma receber de Deus o tal depósito não tem a mínima preocupação em consultar seu extrato bancário ou simplesmente comunicar a agência a respeito do ocorrido. Se um dinheiro que não me pertence entrar em minha conta e eu perceber, o que devo fazer imediatamente é comunicar o banco, pois algum equívoco pode ter ocorrido. Alguém perdeu alguma coisa e está em minhas mãos. Se eu me omitir, sou um ladrão.

Por que será que Deus não deposita dinheiro em contas bancárias de pessoas que estão passando por necessidades financeiras há anos? Por que será que se para Deus é tão simples assim sair depositando dinheiro na conta bancária das pessoas, Ele então não resolve o problema econômico de milhões de pessoas e de dezenas de nações que vivem literalmente na miséria, como alguns países da África?

Com tanta coisa importante a ser feita, duvido que Deus esteja interessado em depositar dinheiro na conta bancária dos crentes. Isto é mentira. O pior de tudo é que as pessoas que dão este falso testemunho, sabem que estão mentindo, mas não admitem. Preferem viver debaixo da mentira, da falsidade, da hipocrisia evangélica travestida de santidade.

É assim que funciona esse negócio. Sim, é um negócio. Não pode ser outra coisa. E quem não entra no negócio, está fora. Não serve para fazer parte desse time. Ou você joga o jogo dos caras, ou você é um rebelde, um incrédulo, um enviado de satanás para semear confusão na mente dos irmãos. Só que na verdade, agindo assim, você é uma grande ameaça para esses vigaristas e aí, o que resta para eles que têm o poder de manipular a massa, é fazer a tua caveira. Alertar a todos que se afastem de você para não serem contaminados. Isto é a chamada igreja evangélica. Vale lembrar que estou certo de que existem exceções, mas não tenho dúvidas de que são raríssimas.


na Graça,


Jefferson


quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

Dica de cinema (1) - O amor nos tempos do cólera


Ainda esta semana assista "
O amor nos tempos do cólera". O diretor Mike Newell não foi totalmente fiel ao livro, é bem verdade, mas concentrou-se no que parece ser o ponto principal de toda adaptação bem-sucedida: o respeito à alma da história. Essa sim está lá todinha, com toda sua força e doçura.

Na trama, o jovem e carismático Fiorentino (vivido pelo espanhol Javier Bardem) se apaixona pela tímida Fermina (interpretada pela italiana Giovanna Mezzogiorno) em fins do século 19. Mesmo diante da negativa da moça, Fiorentino segue amando-a pelos 50 anos seguintes, sem nunca desistir de seu sonho de sua paixão.

Filmado na Colômbia, cenário da história original, o longa reúne um elenco multinacional. Além de Bardem e Mezzogiorno, também há nossa Fernanda Montenegro, sempre maravilhosa, e a colombiana Catalina Sandino Moreno (de “Maria cheia de graça”).

A aventura cinematográfica nos trópicos parece ter empolgado o diretor britânico, que carregou um pouco no melodrama em determinadas cenas, mas o saldo não chega a passar dos limites da elegância.

Também pode causar estranheza ver os personagens em plena Colômbia falando inglês fluentemente e com sotaque hispânico. Para os fãs de García Marquez, pode ser uma heresia, mas para os fãs de cinema, passa como um detalhe menor.

Informações extraídas do site: http://g1.globo.com/Noticias/Cinema/0,,MUL154684-7086,00.html

Abaixo, um trecho do filme. Vale a pena conferir:

Leia comigo (4) - Oração - ela faz alguma diferença?


Oração - ela faz alguma diferença?

Eu poderia transcrever aqui diversas passagens da quarta parte do livro de Philip Yancey, cuja chamada é "Dilemas da oração". Mas seria egoísmo não compartilhar na íntegra o que ele escreveu em um tópico do capítulo 19, cujo título é "A presença de Deus". Basta ler e nem é preciso tecer comentários.

No mesmo discurso da Última Ceia, em que Jesus nos legou sua paz, ele também prometeu uma dádiva muito maior: a presença de Deus, que viveria não em um céu distante, mas dentro de nós, em nossa alma. Ele prometeu-nos o Espírito Santo, e o próprio título escolhido por ele, Conselheiro (ou Consolador), indica um dos principais papéis do Espírito. O senso da presença de Deus pode aparecer e desaparecer. O crente, no entanto, pode confiar que Deus está presente, morando dentro dele: não precisa ser convocado lá de longe.

Vi provas da presença de Deus nos lugares mais inesperados. Durante nossa viagem ao Nepal, um fisioterapeuta providenciou para minha mulher e para mim uma visita ao Hospital Verdes Pastagens, especializado na reabilitação de leprosos. Caminhando ao longo de um corredor externo, notei num dos pátios um dos seres humanos mais horrendos que já vi. As mãos da mulher estavam envoltas em ataduras, e apareciam cotos onde a maioria das pessoas tem pés, e o rosto mostrava os piores estragos da cruel moléstia. O nariz desaparecera, de modo que, olhando para ela, eu podia ver o interior da cavidade nasal. Os olhos, manchados e cobertos com um tecido espesso, não permitiam a entrada da luz; era completamente cega. Cicatrizes cobriam partes da pele dos braços.

Visitamos uma unidade do hospital e voltamos por aquele mesmo corredor. Nesse ínterim, a criatura engatinhara através do pátio para a lateral da passagem, arrastando-se sobre o chão apoiada nos cotovelos e puxando o corpo como um animal ferido. Envergonha-me dizer que meu primeiro pensamento foi: É uma mendiga. Ela quer dinheiro. Janet, que trabalhou entre os indigentes, teve uma reação mais piedosa. Sem hesitar, curvou-se para a mulher e pôs-lhe um braço sobre os ombros. A velha repousou a cabeça no ombro de Janet e se pôs a cantar uma canção em nepali, uma melodia que todos imediatamente reconhecemos: “Jesus me ama, disso eu sei, pois a mesma Bíblia o diz”.

“Dahnmaya é um dos membros mais dedicados da igreja”, informou-nos o fisioterapeuta. “A maioria de nossos pacientes é composta de hindus, mas temos uma pequena capela, e Dahnmaya vem aqui sempre que a capela abre as portas. Ela é uma guerreira de oração. Adora saudar e dar as boas-vindas a todos os visitantes que vêm a Verdes Pastagens. Sem dúvida, ela nos ouviu quando passamos pelo corredor.”

Alguns meses mais tarde, soubemos que Dahnmaya havia morrido. Junto à minha escrivaninha guardo uma foto que tirei no momento em que ela estava cantando para Janet. Sempre que me sinto poluído pela cultura que me invade com sua obsessão pela notabilidade e pela beleza — uma cultura em que as pessoas pagam somas exorbitantes para diminuir o nariz ou levantar os seios a fim de atingir algum impossível ideal de beleza, enquanto 9 mil pessoas morrem de AIDS a cada dia, por falta de tratamento, e hospitais como o Verdes Pastagens vão se mantendo com as migalhas da caridade — pego essa foto. Vejo duas mulheres bonitas: minha mulher, sorrindo docemente, usando um traje nepalês de cores vivas comprado no dia anterior, abraçando uma velhinha que seria reprovada em qualquer teste de beleza jamais imaginado, exceto naquele que mais interessa. Na casca ora deformada daquele corpo, brilha a luz da presença de Deus. O Espírito Santo ali encontrou uma morada. (p. 338 a 340).

Na próxima semana tem mais. Amanhã, nova reflexão.

Abraços a todos.


na Graça,

Jefferson


segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Reflexão (20) - O que penso sobre o Natal


por Jefferson Ramalho

Seria muito fácil apenas dizer que o Natal é o momento em que o consumismo se explicita da maneira mais grosseira possível. Semelhantemente não seria difícil pensar sobre o significado cristão do Natal.

Como não quero ser repetitivo nem relembrar aquilo que todos falam todos os anos, vou convidar você a refletir acerca do Natal por um outro caminho. Um caminho que não se preocupa tanto em protestar contra o consumismo exacerbado uma vez que já fazemos isso o ano inteiro. Um caminho que não quer mais uma vez dizer o que todos já sabem: que o Natal simboliza o nascimento de Jesus, o Salvador da humanidade.

O que eu pretendo com esta reflexão é compartilhar com você um pouco daquilo que ouvi no Caminho da Graça com o Carlos Bregantim nos últimos três domingos. O Natal não apenas representa ou relembra o momento em que o Jesus Histórico nasceu, mas nos leva a pensar na importância do fato de que Deus se fez gente entre a gente. E é neste processo de Deus se fazer gente, que o escândalo do Evangelho se torna ainda mais instigante.

Ele - o SENHOR - saiu de sua ambiência celestial e divina e encarnou-se na ambiência terrena e pecadora dos humanos. E não fez isso para brincar de ser gente, mas para cumprir um propósito peculiar, ou seja, "historicizar" aquilo que antes da História já tinha acontecido na realidade celestial. Estou falando sobre aquilo que as Escrituras se referem ao afirmar que "o Cordeiro foi imolado antes da fundação do mundo".

Neste sentido, o Natal é mais do que tudo que estamos acostumados a ouvir todos os anos no mês de dezembro. Na verdade, o Natal é a celebração do significado essencial da fé cristã do Evangelho: a Encarnação de Deus, e, com isso, a Encarnação da Graça.

Emanuel que quer dizer "Deus conosco" é o Nome dEle. Mas Emanuel hoje só é Emanuel com significado concreto, quando ele se "Emanueliza" através de pessoas que estão à nossa volta. Quando vemos Emanuel em gente como a gente, e quando "permitimos" que Emanuel seja Emanuel em nós para os outros, aí o Natal ganha sentido próprio.

Sem este significado, isto é, sem a Encarnação da Graça em atitudes de amor, fraternidade, responsabilidade social e humana, sinceridade de coração e humildade diante de Deus e do próximo, não adianta fazer cantatas nas igrejas, ceias com a família, presentear pessoas.

A Encarnação da Graça é, portanto, significativa, quando com ela se encarna também a capacidade de perdoar, de vencer o ódio, de superar a mágoa e de acima de tudo oferecer um banquete aos inimigos, fazendo deles a partir de então verdadeiros amigos e irmãos em Cristo.

E a compreensão mais coerente acerca do Natal é aquela que está convicta de que Deus nos quer bem. Nosso Natal não pode e nem deve ser considerado feliz se temos o que comer, porque tem muita gente que não tem; nosso Natal não pode ser considerado feliz só porque temos saúde, porque tem muita gente que está esta hora sofrendo e morrendo nos hospitais vitimadas pelas piores doenças; nosso Natal não pode ser considerado feliz porque temos um bom emprego, porque há pais de família que sofrem com o desemprego há anos. Mas o nosso Natal deve ser considerado feliz por um único e suficiente motivo: o Senhor nos quer bem. Isso é Graça, isso é a Encarnação de Deus, isso é Misericórdia, isso é perdão, isso é amor, isso é Natal.

Feliz Natal a todos, pois o SENHOR nos quer bem. É o que basta.

na Graça,

Jefferson

sexta-feira, 21 de dezembro de 2007

Reflexão (19) - Quatro histórias de Natal


por Frei Betto


1ª História

Em Belém, Caleb atende à porta. Ao ver quem bate, fecha-a de imediato, enquanto o visitante insiste aos murros, como se quisesse derrubar a parede.

A mulher, Cozbi, indaga quem é. Meu irmão. O José?, pergunta ela. Sim, teve o descaramento de engravidar uma jovem de Nazaré sem nem terem se casado, como manda a nossa lei. Agora vem com a buxuda pedir abrigo em nossa casa. Como hei de acolher quem viola os preceitos ditados por Javé a Moisés? Eles que procurem outra freguesia.

2ª História

Eleazar realizou, enfim, seu velho sonho: um pequeno sítio nas proximidades de Belém. No pasto, misturou vacas, cabras e cordeiros. Montou um cocho de madeira e armou, em torno, um toldo de bambu coberto com folhas de palmeira.

De madrugada, Efraim, pastor contratado pelo dono da terra, bate forte pelo lado de fora da janela. O patrão, sonolento, parece receber como pesadelo a notícia: Invadiram suas terras, meu senhor. Tem um casal acampado lá na estrebaria. Escutei um choro miúdo. Parece que a mulher deu à luz um menino.

Avise a guarda. Ao despontar do sol cuidaremos de tirá-los de lá, resmunga Eleazar interessado em retomar o sono.

Dia seguinte, o Diário de Belém dá em manchete: Família sem-teto e sem-terra invade propriedade rural na periferia da cidade. No corpo da notícia: Moça de Nazaré, engravidada por carpinteiro, teve parto em pleno pasto. A criança é do sexo masculino.

3ª História

Guiadas pela estrela de Davi, as três rainhas magas, Ada, Míriam e Sela, chegam à manjedoura. Após louvarem a Javé, aquecem um caldo de galinha para Maria, alimentam José com pães ázimos recheados com grão-de-bico, lavam as fraldas do bebê, varrem o estábulo. Ao buscar água na fonte, comentam entre si: O menino em nada se parece com o pai...

4ª História

A notícia do nascimento do menino não tarda a chegar ao palácio de Herodes, em Jerusalém. Ele fica alarmado; afinal, é o rei dos judeus, malgrado o sangue árabe que corre em suas veias. Sabe, porém, que tem os dias contados, carcomido pelo cancro. A proximidade da morte o aterroriza tanto quanto os agouros que lhe ameaçam o trono.

Pede a Corinto, comandante da guarda, convocar reunião em palácio dos chefes dos sacerdotes e dos doutores da lei, os escribas.

O convite trazido por Corinto deixa Anás excitado. No íntimo, considera-se o verdadeiro rei da Palestina. Comparece em companhia de duas dezenas de membros do sinédrio - o conselho supremo do poder judaico, integrado por 71 notáveis, e do qual ele, na condição de sumo sacerdote, é o presidente.

Herodes é introduzido no salão a bordo de uma liteira de marfim sustentada por quatro escravos. Anás mal consegue controlar sua curiosidade por conhecer o motivo de tão inesperada convocação. O rei quer saber dos sinedritas onde e quando deve nascer o Messias que tanto aguardam. Gamaliel cofia sua barba em leque e diz: Nascerá em Belém, na Judéia, pois está dito pelo profeta Miquéias - E tu, Belém, de modo algum és a menor entre as cidades de Judá, pois de ti sairá para mim aquele que deve guiar Israel. Quando isso ocorrerá - escusa-se o doutor da lei -, não está ao alcance do nosso saber.

Herodes não admite que a sua soberania seja desafiada por rumores em torno de um menino-messias. Ordena que a guarda de operações especiais, comandada pelo espadaúdo Tirano, dirija-se a Belém e passe ao fio da espada todas as crianças do sexo masculino com menos de dois anos de idade.

Ao amanhecer, as tropas herodianas ocupam Belém. Os batedores vão de casa em casa. Ordenam que todos os meninos de colo, e aqueles que ainda não caminham com firmeza, sejam trazidos à rua por suas mães. As outras mulheres devem permanecer trancadas em casa, com portas e janelas fechadas, em companhia de homens e crianças.

Toda a gente de Belém pressente que, desta vez, Azrael, o anjo exterminador, voltou-se contra ela. As mães ficam separadas dos filhos que, nus, são deitados lado a lado ao longo das ruas. Os bebês choram um choro de abandono, insistente, como se um presságio os movesse a sugar com avidez o ar que, em breve, já não poderão respirar. De rostos virados para as paredes das casas e dos muros, e vigiadas por soldados, as mães riscam as pedras com as unhas e lavam o musgo com as lágrimas.

Após observar cada criança à procura de algum traço messiânico, Tirano dá o sinal para a degola. O carrasco agacha-se, puxa a cabeça da vítima para esticar o pescoço, ergue o cutelo e, num golpe, separa o crânio do corpo. Algumas mães, desesperadas, ousam voltar-se na direção dos filhos; são silenciadas pela lâmina do punhal que lhes traspassa o coração. Tirano passa ao fio de sua própria espada as mulheres que furam o cerco das sentinelas e se abraçam aos filhos como se quisessem fazê-los retornar ao útero.

Desde essa trágica manhã em Belém, os poderosos cruéis tornaram-se conhecidos como tiranos.


Frei Betto é escritor, autor da biografia de Jesus “Entre todos os homens” (Ática), entre outros livros e colunista do portal Vida Acadêmica, onde há vários de seus artigos publicados.

Vídeo (4) - Pense comigo 3 com Caio Fábio


Abaixo segue o vídeo do 3º "Pense comigo".

Boa reflexão a vc. Assista e ouça atentamente este programa e pense no que foi falado.

Hoje em dia está em falta Reflexões como esta, principalmente entre os tele-evangelistas brasileiros.

na Graça,

Jefferson


quinta-feira, 20 de dezembro de 2007


Hoje não tem reflexão. Só diversão!!!

Aquele abraço!

na Graça,

Jefferson


quarta-feira, 19 de dezembro de 2007

Reflexão (18) - O coração tem razões...


por Jefferson Ramalho

Blaise Pascal (1623-1662) é um dos meus filósofos preferidos. O outro é Kierkegaard.Pascal converteu-se radicalmente à fé cristã quando tinha seus 23 anos. Entrara em contato com o jansenismo - ramificação católica daquela época - e assumira a convicção acerca da perspectiva da Graça segundo Santo Agostinho.

Aos 31 anos decidiu deixar tudo para viver uma vida retirada na solidão do mosteiro onde vivia sua irmã Jacqueline, que era freira.

Na filosofia, a posição equilibrada, conseqüentemente crítica ao Racionalismo e ao Empirismo, marcou a sua identidade enquanto pensador. Na matemática e na física, conquanto nunca tenha freqüentado a escola, destacou-se por aos 18 anos ter inventado a "pascalina", que foi o primeiro exemplo de máquina de calcular.

Na reflexão teológica unida à linguagem filosófica, Pascal destaca-se também por ter apresentado a famosa aposta de Deus.

Muitas outras reflexões foram propostas por este gênio que acabou morrendo precocemente. Certamente, se ele tivesse vivido por pelo menos mais 20 anos, muito mais teria produzido. Mas para cada um o Altíssimo tem um propósito. Como diz a canção do meu amigo Stênio Marcius: "nossa vida é obra de tapeçaria e ELE é o tapeceiro".

De todas as máximas de Pascal, a que mais me fascina é a que diz: “o coração tem razões que a própria razão desconhece”. Fantástico!

Ele não está afirmando que os sentimentos e a inteligência são dois antagonismos, mas que na existência humana existem duas maneiras de chegar ao conhecimento: o intuitivo e o discursivo.

A fé, por exemplo, seria um conhecimento do coração, pois jamais a razão conseguirá conduzir o homem à compreensão de determinadas convicções que só podem ser aceitas por meio de um elemento chamado "fé".

No amor não é diferente. Existem sentimentos inexplicáveis no coração do homem, capazes de conduzi-lo à covardia, ao medo, à inércia e à passividade. Nem sempre a reação é contrária, ou seja, a de se tomar atitudes. "Cada um tem de Deus o seu dom", já dizia Paulo. Tudo porque o coração tem razões, ou seja, motivos, segredos, sentimentos, particularidades inconfessáveis e impenetráveis, que a razão, ou seja, a capacidade de raciocinar, de filosofar, de compreender e de simplesmente pensar, jamais conseguirá tecer explicações, por mínimas que sejam.

De qualquer modo, este é o legado de Pascal: ter nos deixado esta máxima reflexiva que consegue transformar em palavras um pouco do que nos habita, ainda que o que esteja morando em nossa alma, verdadeiramente seja muito mais que palavras.

Beijão a todos!

na Graça,

Jefferson

terça-feira, 18 de dezembro de 2007

Leia comigo (3) - Oração - ela faz alguma diferença?


Oração - ela faz alguma diferença?

Na leitura da terceira parte do livro de Philip Yancey, cuja chamada é "A linguagem da oração", curiosas e instigantes citações diretas foram feitas pelo autor. Abaixo, transcrevo tanto algumas reflexões do próprio Yancey como as que ele simplesmente preferiu citar:

"O paradoxo da oração é que ela exige um esforço sério, embora apenas possa ser recebida como dádiva. Não podemos planejar, organizar ou manipular a Deus; mas sem uma cuidadosa disciplina tampouco podemos recebê-lo." (Henri Nouwen - p. 194).

"Mesmo quando a oração parece um dever, como uma lição de casa, alimentamos a esperança de que ela possa desenvolver-se e se tornar algo superior. Um tesouro escondido está lá dentro, basta que o saibamos explorar. Um novo território nos aguarda, se nos comunicarmos na linguagem correta. Balbuciamos como bebês, almejando fluência. 'Mais que um homem orando, eu estava sendo um homem orando', diz Frederick Buechner, lembrando uma fase em que suas orações pareciam ou tímidas ou exageradas." (p. 196).

"À semelhança do sexo, a oração se concentra no relacionamento mais que na
técnica, e as diferenças entre duas pessoas em oração é muito mais profunda que a existente entre dois amantes. O surgimento de problemas não nos deve causar surpresa." (p. 197).

"Há dias em que tenho dificuldade para descrever seu benefício direto. Mas não desisto, quer ache que estou aproveitando, quer não. Apresento-me na esperança de conseguir conhecer melhor a Deus e talvez ter notícias dele de formas acessíveis apenas por meio do silêncio e da solidão." (p. 205).

"Perdoa as nossas dívidas, assim como perdoamos aos nossos devedores. Lembra-me da minha verdadeira condição, como devedor que nunca pode comprar a passagem para tua graça. Graças a ti, não preciso fazê-lo. Concede-me, em relação àqueles que me devem e cometeram injustiças contra mim, a mesma atitude de generosa bondade que me dispensas." (p. 214)."Com as orações de Paulo, aprendo a destronar-me considerando primeiro um ponto de vista cósmico e depois olhando desse ponto de vista para meus amigos e familiares, para minha vida, para a igreja e de fato para toda a História." (p. 221).

"Uma das mestras da oração, Teresa de Ávila, admite que sacudia a areia de sua ampulheta do século XVI para fazer a hora passar mais depressa. Martinho Lutero também conheceu bem os momentos de desânimo da oração." (p. 229).

"Thomas Merton estabelece uma distinção entre o falso eu que projetamos para o mundo e o verdadeiro eu que Deus conhece. 'Eu ser santo significa eu ser eu mesmo', disse ele." (p. 237).

"Sou da opinião de que as orações que parecem ser as piores podem de fato ser, aos olhos de Deus, as melhores. Refiro-me àquelas que se apóiam menos em sentimentos de devoção e lutam contra a maior aversão. Pois essas, possivelmente, sendo quase só vontade, provêm de um nível mais profundo que o sentimento." (C.S. Lewis - p. 246).

"Às vezes, aproximo-me de Deus por pura determinação da vontade, o que pode parecer um ato forçado. Mas quando ajo assim não preciso de máscara. Deus já conhece o estado de minha alma. Não estou dizendo a Deus nada de novo, apenas testemunhando meu amor por ele e orando, mesmo não estando disposto. Expresso minha fé latente com minha simples presença." (p. 260).

Na próxima semana, tem mais. Amanhã, nova reflexão.

Abraços a todos.


na Graça,

Jefferson


segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Reflexão (17) - Igreja e igrejas


por Jefferson Ramalho

Na presente reflexão não pretendo ser crítico nem agressivo. Quero apenas convidar você a pensar comigo. Pensar a respeito do conceito cristão que envolve o termo “igreja”. Quando este vocábulo foi usado no Novo Testamento jamais existiu a intenção de que ele fosse um termo sagrado em si mesmo. Igreja, vindo do grego, era o mesmo que assembléia. Portanto, outro termo que trouxesse o mesmo significado poderia ter sido usado.

Mas sabemos que no decorrer da História da religião cristã, o termo igreja se tornou sagrado. Mas não apenas no sentido estritamente teológico do termo, como sendo aquilo que diz respeito ao Corpo de Cristo, a reunião invisível de filhos de Deus. Na verdade, com o passar do tempo, “igreja” se tornou o termo mais apropriado para se referir à instituição humana que sempre se identificou como Corpo de Cristo.

Infelizmente existe uma distinção enorme entre a igreja institucional que muitas vezes se resume a uma organização humana, a uma catedral medieval, a uma basílica, a uma firma aberta com CNPJ e Estatuto e a igreja invisível, o Corpo de Cristo, às pessoas que independentemente de onde se reúnem para cultuar a Deus fazem parte da Sua Comunhão.

O problema maior certamente talvez nem esteja em existir esta diferença, mas nas diferenças. A igreja institucional consegue se assemelhar de tal maneira a qualquer outra organização humana, a qualquer empresa, a qualquer coisa do tipo, que sua identidade espiritual acaba ficando em dúvida para aqueles que sabem o que de fato significa ser Igreja, não institucional.

A igreja institucional é a antítese daquilo que o Evangelho apresenta ser Igreja de Cristo, mas que poderia inclusive ter ganhado outro termo qualquer, pois neste caso, o significado essencial não se encontra no termo, mas na ação, na existência, na participação social, na evangelização desinteressada de qualquer outra coisa que não seja a conversão da alma do evangelizado.

Alguns, como o pr. Carlos Bregantim, mentor da estação do caminho da graça em São Paulo, chamam a Igreja de Cristo de “Igreja Clandestina”. Seria aquela que está absolutamente descompromissada com qualquer possibilidade de status, desinteressada em barganhar com Deus, despreocupada com o crescimento numérico para evidenciar poder institucional. A Igreja de Cristo não quer se tornar igreja. A Igreja de Jesus não precisa se tornar “igreja” para ser reconhecida como Igreja.

Pe. José Comblin disse em sua última vinda a São Paulo: “Chegou um momento em que a Igreja precisa optar entre crescer institucionalmente e simplesmente imitar a Cristo”. O maior problema é que a igreja não consegue existir sem o objetivo de crescer institucionalmente, enquanto a Igreja quer somente uma coisa: imitar a Cristo.

A igreja institucional quer crescer numericamente, enriquecimento financeiro, fama através de gravações e vendas de CD’s e DVD’s de seus grupos musicais, expansão denominacional por meio da fundação de igrejas locais (filiais), construção de mega-templos o que mostra ainda mais a sua mentalidade medieval de altos ideais que se evidencia de diversos modos como por meio da construção de grandes catedrais. Isso é a igreja.

E a Igreja? O que é e onde está? A Igreja Corpo de Cristo é visível e invisível, mas está escondida, está verdadeiramente trabalhando pelo Reino incansavelmente e sem nenhum interesse em ser vista pelos homens, pelas câmeras. A Igreja de Cristo é a noiva de Jesus, é aquela que muitas vezes é rejeitada no ambiente da igreja humana, é aquela que não faz questão de acumular bens, riquezas, construir mega-templos, organizar passeatas com interesses políticos, gravar CD’s e DVD’s vislumbrando a fama e conseqüentemente o poder. A Igreja Corpo de Cristo adora Cristo, a igreja institucional diz que adora a Cristo, mas na essência adora o dinheiro, as riquezas, a teologia dogmática que segue por considerá-la teologicamente correta, o poder político, a fama, o crescimento numérico, o reconhecimento humano; ainda que todas essas coisas tenham um rótulo com o nome de Jesus.

É assim que funciona e é assim que continuará sendo por muito tempo, infelizmente.

Minha oração é no sentido de que a Graça, a Misericórdia e o Perdão do Altíssimo atinjam a vida das igrejas assim como todos os dias têm atingido a vida da Igreja.

na Graça,

Jefferson

sábado, 15 de dezembro de 2007

Para provocar (1) - Deus é impotente?


Abaixo, leia um trecho da primeira parte do artigo do prof. Alessandro Rocha sobre Kênosis, publicado no portal Vida Acadêmica. A reflexão foi dividida em três partes e todas já foram publicadas no portal.

A kênosis do Filho, sua renúncia à majestade divina, abre um lugar na história para a plenificação do real em sua dimensão de concretude. Não há outra instância do real onde a dignidade deve se realizar, senão no homem e na mulher concretos. O ser não é uma estrutura estável escondida em mansões metafísicas, antes é eventualidade: é relação. Nesse sentido o Filho despido de majestade é eventualidade como também nós o somos.

Clique aqui e leia o primeiro artigo.

Clique aqui e leia o segundo artigo.

Clique aqui e leia o terceiro artigo.

Abração a todos.

na Graça,

Jefferson

sexta-feira, 14 de dezembro de 2007

Vídeo (3) - Pense comigo 2 com Caio Fábio


Este é o 2º programa com Caio Fábio, a respeito da oração do Pai Nosso.

Vale a pena ver, ouvir, pensar e refletir.


Na próxima semana tem mais.

Beijão a todos.

na Graça,

Jefferson



Reflexão (16) - Amor é fogo que arde sem se ver


por Jefferson Ramalho

Abaixo temos um texto do poeta português Luís Vaz de Camões (1524 – 1580).
Tamanha é a beleza desse poema, que qualquer tentativa de comentá-lo se faz absurda, insignificante e dispensável.

Certamente foi o poeta que mais próximo chegou do conceito que o apóstolo Paulo pretendia quando escreveu 1ª Coríntios 13: "Se não tiver amor, de nada aproveita".

Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?

Luís Vaz de Camões (1595)

Um final de semana feliz a todos!

na Graça,

Jefferson

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Reflexão (15) - Oração de um coração dilacerado


por Jefferson Ramalho

O que eu faço, não o sabes agora; compreenderás depois. (Jesus)

Pai,

Eu sempre acreditei em Tua existência. Sempre confiei em Teu cuidado para com a minha vida. Eu acredito que todas as coisas que acontecem em meu cotidiano foram previamente planejadas em Ti. Nada foge do Teu Absoluto e Soberano controle.

As decisões que tomamos são muitas vezes absurdas, rejeitadas, inexplicáveis e principalmente provocadoras de dolorosas conseqüências. O Senhor sabe o quanto meu coração está dilacerado no dia de hoje, o que não poderia ser diferente. Minha alma está despedaçada, mas em paz.

Como será o dia de amanhã? Eu tenho esperanças de que seja bem melhor para todos. Apesar da decisão ser minha, a dor é muito forte. Tão forte quanto a convicção de que não há outra saída. Seria terrível chegar à velhice e dizer para si: não valeu a pena!

Não valeu a pena não porque não havia benefícios e alegrias. Tudo foi muito bom. Na verdade, foi muito bom, mesmo. Contudo, há momentos em que aparentes alegrias precisam ser sacrificadas, para que uma alegria maior e verdadeira venha depois.

Do que Deus se agrada? Não sei, mas estou certo de que Ele se compraz na sinceridade do coração. Preciso de refrigério, Pai. Preciso de silêncio. Não seria correto continuar assim. Estou certo de que os ataques serão inevitáveis. Tiros de todos os lados tentarão me atingir.

Neste momento o que eu mais peço é que o SENHOR encarne sua Misericórdia nas pessoas que realmente são próximas a mim. Que a Graça, aquela que eu nunca merecerei, ocupe todos os espaços da minha existência, fazendo-me descansar em paz, certo de que lá na frente a felicidade virá.


na Graça,

Jefferson


terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Leia comigo (2) - Oração - ela faz alguma diferença?


Oração - ela faz alguma diferença?

Na leitura da segunda parte do livro de Philip Yancey, em muitos momentos literalmente me emocionei. Mas em duas, foi inevitável conter, além da emoção, a sensibilidade.

Abaixo, transcrevo não as palavras de Yancey, mas preferi desta vez compartilhar da segunda parte do livro, duas experiências de oração citadas pelo próprio autor. Emocionante!

Enfim livre (Sergey)
"Os que dentre nós viveram sob o comunismo conhecem bem o poder da oração. Meu pai trabalhava em foguetes soviéticos na Sibéria, e cresci em meio à propaganda do ateísmo e do comunismo. Ouvíamos constantemente que nosso sistema era melhor que o do Ocidente, embora todos soubéssemos que era o contrário. Ninguém podia imaginar que o comunismo poderia um dia cair e que a União Soviética se desintegraria. Mesmo hoje, poucos dão crédito ao que eu creio ter sido a verdadeira força: o poder da oração.

Por toda a Europa oriental, a igreja organizou manifestações pacíficas com “o poder do povo” marchando pelas ruas com velas acesas nas mãos. Ninguém fez guerra, e bem poucos disparos foram dados. O poderoso império soviético, todavia, caiu ruidosamente. Àquela altura, minha família se estabelecera na Ucrânia, e de lá para cá temos testemunhado nossa Revolução Laranja, que em 2004 derrubou um governo corrupto. Essa revolução propagou-se principalmente por meio de mensagens enviadas por telefone celular.

Desde aquela época, nós, cristãos temos organizado um período de oração todas as noites, às dez horas, para interceder pelo nosso país. Organizamo-nos em grupos de três — “tríades” — para ensinar um ao outro como orar. Veja bem, a maioria de nós só aprendeu aquelas orações longas, formais e chatas ouvidas nas igrejas. Só agora estamos descobrindo o privilégio de falar com Deus como se conversa com um amigo!

Ouvi incríveis histórias de fé da parte de ucranianos e seus vizinhos. Um de meus amigos, da Moldávia, costumava dizer aos seus pais ateus que estava indo ao banheiro lá fora e então pulava a cerca para orar com o vizinho. Cristãos eram batizados em lagos congelados, depois de abrir um buraco no gelo. Visitantes do exterior traziam livros e Bíblias de contrabando, que eram distribuídos de acordo com um elaborado sistema secreto. Inúmeros pastores passaram temporadas na prisão por causa de seu trabalho na igreja.


Agora que estamos livres, corremos o risco de nos tornarmos complacentes, de não valorizarmos a liberdade de culto. De fato, cristãos de certas regiões da ex-União Soviética votaram pela volta dos comunistas ao poder, porque a igreja era muito mais pura naqueles dias. Parece que lidamos melhor com a perseguição que com a prosperidade. Sou um dos que oram para que aqueles dias jamais retornem. Oro para que aprendamos a louvar a Deus pelo que temos, em vez de ter de suplicar por isso." (p. 143s).

Oração depois do tsunami (Isaac - de Singapura)
"Deus, choramos pelas vítimas, mais ainda por aquelas que não acreditam em teu nome. Tem piedade de todos nós! Não há dúvida de que nos dói no coração ver gente sofrendo tanto nesta catástrofe do
tsunami. Às vezes, somos levados a perguntar se pelo menos te preocupas com isso. Sei que não nos puniste por causa de nossos pecados, pois vieste salvar os pecadores. Sabemos que nos amas, pois vieste morrer por nós. Mas por que escolheste calar-te agora?

Por que o mundo foi criado imperfeito, com tantas falhas geológicas no subsolo? Não é possível que essas falhas tenham sido causadas por nossa ação, não é mesmo? Não dói em teu coração ver as famílias separadas, vidas jovens ceifadas e desperdiçadas?


Sabemos que o vaso não pode questionar o oleiro e sabemos que deténs a verdade. Então, a quem podemos recorrer senão a ti? Mas não podemos deixar de pensar que se um homem consegue perdoar e amar seu inimigo, como pode o Autor de nosso amor deixar perecer os que não acreditam nele? Perdoa-nos por questionar teu amor — nós o questionamos porque acreditamos que és amor e porque buscamos explicações para o que aconteceu. Sabemos que nossas perguntas não serão respondidas aqui na terra: simplesmente oramos para que continues mantendo viva nossa fé. Amém." (p. 115)

Na próxima semana, tem mais. Amanhã, nova reflexão.

Abraços a todos.

na Graça,

Jefferson

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Reflexão (14) - As poucas exceções da História


por Jefferson Ramalho

O comentário de Nana, minha amiga e irmã católica do centro-oeste brasileiro me fez ver a necessidade de antecipar uma reflexão que eu programara para daqui a algumas semanas.

Nana se lembrou de Madre Tereza de Calcutá e Irmã Dulce. Muito bem lembrado, Nana! Na verdade, se fizermos uma leitura na História do Cristianismo após o quarto século, quando a Igreja deixou de ser perseguida pelo Império Romano e tornou-se aos poucos a instituição mais poderosa daqueles dias, perceberemos que com isso abandonou aos poucos as suas origens.


Chegaria um tempo em que ela de perseguida tornar-se-ia perseguidora. Na Idade Média, ela promove as cruzadas, as indulgências, as inquisições, a venda de relíquias e tantos outros desvios daquilo que o Evangelho propôs em sua essência.


Helena, por exemplo, mãe de Constantino, imperador que promoveu o fim da perseguição religiosa no ano 313 através do Edito de Milão, foi quem encomendou os primeiros templos e catedrais. A Igreja de Cristo precisa de um lugar para se reunir, mas não precisa se tornar Lugar Sagrado. Mas com as catedrais medievais, foi o que aconteceu. Com isso, uma série de deturpações surgiu.


Com a Reforma Protestante do século XVI parecia que as coisas melhorariam. Infelizmente não foi assim. No século posterior, os protestantes já institucionalizados, aos poucos abraçaram muito do que era peculiaridade da igreja medieval.


O fato é que após o quarto século, a História da Igreja – ou do Cristianismo, melhor dizendo – é repleta de decadência espiritual, negociações em nome de Deus, manipulação, mentira, corrupção e tantas outras características abomináveis à luz do Evangelho.


Mas em meio a tanta podridão, Deus generosamente presenteou esta mesma História com algumas exceções. Os Padres do deserto, São Francisco de Assis, Santa Tereza d'Ávila, São João da Cruz, Madame Guyon, João Wesley, Dietrich Bonhoeffer, C. S. Lewis, Thomas Merton, Henri Nouwen e Madre Tereza de Calcutá são algumas dessas exceções.


Hoje, com o advento do neo-pentecostalismo evangélico, a igreja institucional conseguiu atingir um patamar que nem a igreja medieval, no auge de sua hegemonia conseguiu atingir. Já não se vende mais a salvação. O que se vende, em nome de Deus, é a felicidade terrena, a prosperidade financeira, o “dom” de adquirir bens materiais. Os que afirmam acreditar em Deus acreditam exatamente no deus pelo qual Deus jamais gostaria de ser trocado: as riquezas. E o que é pior. Este deus é disfarçado de Deus, para que o negócio não fracasse.

Portanto, na História do Cristianismo, o que de bom e de exemplar pode ser contemplado, está registrado na história particular de cada uma das exceções que aqui citamos. Não seria incoerência afirmar que eles foram verdadeiros exemplos de amor ao próximo muito além das fronteiras da religião. Eles deixaram seus legados, e mais do que isso, nunca se sentiram santos, dignos e merecedores de qualquer dádiva divina pelo fato de fazerem o que fizeram. Esta talvez seja a principal virtude de todos eles. Sempre se reconheceram dependentes da Graça de Deus, em Jesus.

O ideal, mesmo, seria escrever uma reflexão sobre cada um. Estou pensando nisso para o futuro. Obrigado, Nana, por se lembrar que no meio de uma história tão manchada, a Igreja de Cristo teve suas autênticas personagens que verdadeiramente conseguiram com a própria vida encarnar o amor do nosso Mestre.

na Graça,

Jefferson

sexta-feira, 7 de dezembro de 2007

Reflexão (13) - Não amamos


Nisto saberão que são meus discípulos, se tiverdes amor.
(Jesus)


por Jefferson Ramalho

Certa vez ouvi de uma teóloga baiana, formada em Patrologia pela Universidade de Teologia de Madrid, que os seres humanos se descobrem amando. E isto é ou pode ser verdade. Todavia, quero tentar levar nossa reflexão para um rumo mais realista e urgente de ser observado.

Está claro nas Escrituras que o preço da salvação é o amor. Nisto consiste a perfeição. E p/ entrar no REINO DA PERFEIÇÃO, é preciso ser perfeito.

O grande problema é que nós não somos perfeitos, pois nós não amamos a ninguém. Nem a Deus nem ao próximo. Sendo assim, não há remédio para nossa existência corrompida. Mas quando o PREÇO PERFEITO foi pago por Deus, em CRISTO, a regeneração se tornou possível.

O que resta? Em CRISTO somos perfeitos diante de Deus, apesar de todas as nossas corrupções. Os fariseus erraram, pois confiavam em suas próprias justiças, mesmo eles conhecendo o texto do profeta Isaías que diz que nossas MAIORES JUSTIÇAS são como o trapo de imundície.

Restam, portanto, três coisas:

1 - Não confiarmos mais em nossas próprias justiças como sendo preço de salvação ou curriculo de espiritualidade diante dos outros. Minhas melhores práticas são abomináveis diante de Deus. Não podemos ser possuídos por um novo farisaísmo, uma espécie de farisaísmo evangélico, que só pode destruir a própria alma.

2 - Reconhecer que realmente não amamos nem a Deus nem ao próximo. Não somos capazes de vender tudo - tudo mesmo - para dedicar toda nossa vida a Deus a aos aflitos. Preferimos continuar sendo escravos do consumismo, do capitalismo instaurado na sociedade e da crença de que somos capazes de oferecer algo que nos justifica diante de Deus e das pessoas. Temos de abandonar isso.

3 - Fazer o máximo que estiver ao nosso alcance pelo oprimido, aflito, pobre e menos favorecido. Mas sempre com a certeza de que fazemos por sermos salvos e não para sermos salvos. O abandono da hipocrisia evangélica consiste nisso. Em confiar única e suficientemente na Justiça e no Amor do Pai.

Desejo Paz aos amados e vigor espiritual, e um ótimo final de semana!

na Graça,

Jefferson

Vídeo (2) - Pense comigo 1 com Caio Fábio


Companheiro de caminhada,


Este é o 1º vídeo do programa "Pense comigo", com Caio Fábio.

Breve, suficiente, sem fantasias, sem adornos, e acima de tudo, repleto de coerência.

Espero que goste. Assista e comente.

Será um prazer publicar sua opinião.

Abraços.

na Graça,

Jefferson



quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Reflexão (12) - O problema do sofrimento


por Jefferson Ramalho

"O sofrimento mental é menos dramático que o físico, porém é mais comum e também mais difícil de suportar. A tentativa freqüente de encobrir o sofrimento mental aumenta o fardo, pois é mais fácil dizer: 'Meu dente está doendo', que dizer: 'Meu coração está partido'. Contudo, se a causa é aceita e encarada, o conflito fortalece-se e purifica o caráter, e, em tempo, o sofrimento geralmente passa. Às vezes, entretanto, ele persiste, e o efeito é devastador. Se a causa não é encarada ou não é reconhecida, ela gera o sombrio estado do neurótico crônico."

Trecho do apêndice da obra "O problema do sofrimento", de C.S.Lewis.

Para conhecer este livro, clique no link:

http://www.editoravida.com.br/loja/product_info.php?products_id=90

Seguem a seguir minhas tentativas de reflexão a respeito do trecho:

As pessoas preferem viver com o sofrimento mental-animal-psicológico-existencial a vida inteira, pois na maioria das vezes, esses sofrimentos estão relacionados a motivos de vergonha, constrangimento, culpa, possíveis conseqüências ruins, pecados inconfessáveis etc.

Somos todos animais (pois temos anima = alma); e essa animalidade que nos ocupa e ao mesmo tempo nos domina, consegue fazer com que as maiores dores da vida sejam aquelas relacionadas a algo além do físico, da matéria, do corpo, da pele, da sensitividade.

Se o problema fosse apenas pele, seria fácil de resolver. Os medicamentos, os descarregos religiosos, a possibilidade de expelir os desejos satisfazendo-os, simplesmente. Mas o problema não está localizado na pele, na carne, no físico. Não é, portanto, um problema empírico.

Isto, contudo, não significa que seja uma problemática de ordem racional, reflexiva, metódica ou sistemática.

O problema é existencial e na maioria das vezes é incurável. Atinge aquela parte da existência que não se resume em uma aula de biologia ou de lógica. Ele está localizado e escondido em um setor da alma aonde muitas vezes nem o seu próprio dono é capaz de chegar. A inconsciência. "Onde está o sei mas não sei o que sei, sinto e não sei o que sinto, sonho e não sei o porquê. É aí que Pascal disse que 'o coração tem razões que a própria razão desconhece'." (Caio Fábio).

O problema está em quando o sofrimento tem sua causa não no físico nem na mente, mas nisso que Pascal chama de coração.

Local do ser humano que somente ELE, o ALTÍSSIMO, pode chegar. A inconsciência. Esta "parte" peculiar dos humanos que nem eles mesmos conhecem, embora sejam capazes de sentir suas aflições, sofrimentos, angústias, incertezas, medos, covardias, sonhos, dores, desesperos, amores, paixões, ódio, raivas, vinganças, compaixão, desprezo, temores e tremores.

Que o PAI nos sustente nestes dias de angústias, sofrimentos e incertezas. É tudo o que precisamos. Seu sustento, seu cuidado e sua GRAÇA.

Beijão a todos.

na Graça,

Jefferson

quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Reflexão (11) - Em nome de Deus


por Jefferson Ramalho

Há duas obras muito boas sobre este tema. Na verdade, "em nome de Deus" foi o título que estas obras receberam.


Estou falando do livro de Karen Armstrong, publicado pela Cia. das Letras, que apresenta com muita propriedade a respeito do fundamentalismo presente nas 3 religiões monoteístas existentes no mundo: judaísmo, cristianismo e islamismo.

A segunda obra é cinematográfica. Estou falando do filme "Em nome de Deus", que conta a história real de Pedro Abelardo. Ele foi um filósofo medieval que se apaixonou por uma jovem chamada Heloíse.

Eles tiveram um filho, a quem foi o dado o nome de Astrolábio. Este é o nome do instrumento que servia para medir a distância entre as estrelas.

No fim das contas, proibido de ficar com Heloíse, Abelardo foi castrado a mando do tio de sua amada, que era um velho vendedor de relíquias religiosas.

Sempre que leio sobre o fundamentalismo cristão ou sobre histórias como a de Abelardo, confesso que tenho vontade de não ser mais cristão. O nome de Deus tem sido usado ao longo da história do cristianismo para sustentar as piores atitudes das lideranças eclesiásticas que se afirmam vocacionadas por Deus.

Em nome de Deus as pessoas matam, mentem, fazem aliança com políticos corruptos, roubam, defendem seus dogmas "colocando Deus" dentro de um pacote doutrinário, disciplinam os que cometem algum pecado, submetem pessoas à vergonha diante da congregação, enfim, sentem-se no direito de agir como se fossem os mediadores entre Deus e os homens.

O que nos resta diante deste quadro? Nos resta crer em Jesus e servi-lo de todo o nosso coração, sem estar presos a uma denominação, que do ponto de vista institucional, acaba funcionando como qualquer outra instituição, organização, empresa ou coisas do tipo.

A igreja, para se destacar perante a sociedade, constrói seus edifícios e chega a chamá-los "igreja" ou até mesmo, "casa de Deus". Mas Deus não habita o espaço que nós ingenuamente construímos e delimitamos para que Ele habite.

O templo não pode ser chamado "casa de Deus", pois na maioria das vezes, a um quarteirão de distância dessa "casa de Deus" sempre há alguém passando fome e a chamada "igreja" não cumpre com a sua responsabilidade social.

Infelizmente, a maioria esmagadora das igrejas tem sido apenas novas organizações e empresas, com estatuto, razão social e CNPJ, não se diferenciando em nada das que já existem; e mais do que isso, não fazem a diferença que realmente poderiam e deveriam fazer nas comunidades onde se inserem.

Alguns dirão: - É fácil dizer estas coisas estando do lado de fora. Eu responderia: - Se para estar do lado de dentro é preciso jogar este jogo, eu prefiro ficar de fora, pois seria o mesmo que vender a própria alma. A quem, nem preciso dizer. Claro que há exceções, mas são raras.

Em nome de Deus, a igreja continua a mesma. Esta igreja - digo com a alma tranqüila - não é a Noiva, não é o Corpo, não é a Eleita, não é a Igreja.
Só para refletir um pouco. Continuo na próxima.

na Graça,


Jefferson

terça-feira, 4 de dezembro de 2007

Leia comigo (1) - Oração - ela faz alguma diferença?


Oração - ela faz alguma diferença?


Este é o mais recente livro de Philip Yancey em língua portuguesa, publicado no Brasil pela Editora Vida. A partir de hoje, todas as terças-feiras nos encontraremos aqui no blog para juntos lermos alguns trechos dessa obra tão instigante, onde o autor faz indagações que todos nós fazemos em algum momento da vida.

Perguntas como: Deus está ouvindo minha oração? Se Deus sabe de tudo, por que orar? A oração faz Deus mudar de idéia ou muda a mim mesmo?

Selecionei algumas frases curiosas que Yancey escreveu nas páginas dessa obra. Como ela está dividida em cinco partes, durante o mês de dezembro vamos ler juntos estes trechos que escolhi. Se, porém, você quiser lê-lo na íntegra, não perderá nada. Ao contrário, você só irá ganhar.

Abaixo, alguns trechos da primeira parte intitulada: Permanecendo na companhia de Deus.

"Antes de começar a escrever este livro, eu costumava evitar o tema da oração, por carregar um sentimento misto de culpa e inferioridade. Com certo embaraço, devo admitir que não escrevo um diário, não consulto nenhum orientador espiritual nem faço parte de algum grupo regular de oração. Confesso sem dificuldade que tenho a tendência de ver a oração pela lente do cético, sentindo-me mais obcecado com orações não atendidas que alegre por orações que obtiveram resposta. Resumindo, minha principal qualificação para escrever sobre o assunto é não me sentir qualificado - e sinceramente desejar aprender. [...] Quando se trata de oração, somos todos principiantes." (p. 17).

"Como o brilho de um raio, a oração expõe por um nanossegundo o que eu preferiria ignorar: meu verdadeiro estado de frágil dependência. [...] A oração eleva meu olhar para além das insignificantes - ou, como no caso de Jó, cruéis - circunstâncias da vida, permitindo-me um vislumbre daquela elevada perspectiva. Percebo minha pequenez e a vastidão de Deus, e a verdadeira relação entre nós dois. Na presença de Deus, sinto-me pequeno porque sou pequeno." (p. 24).

"A oração permite que eu admita minhas falhas, fraquezas e limitações perante aquele que responde à vulnerabilidade humana com infinita misericórdia." (p. 31).

"A Graça de Deus flui como água, sempre descendo para as regiões mais baixas. De fato, como podemos provar a Graça senão por meio de nossos defeitos? Nos tempos de Jesus, coletores de impostos, prostitutas e pessoas impuras estendiam as mãos para receber a Graça de Deus, ao passo que religiosos profissionais erguiam as suas na forma de punhos cerrados. Para receber um presente, a única exigência é ter as mãos abertas." (p. 36).

"
A oração me força a visualizar minha verdadeira condição. Nas palavras de Henri Nouwen: 'Orar é caminhar na plena luz de Deus e dizer simplesmente, sem restrições: Eu sou humano e tu és Deus. Nesse momento, ocorre a conversa, a restauração do verdadeiro relacionamento. O ser humano não é alguém que, de vez em quando, comete um erro, e Deus não é alguém que, de vez em quando, perdoa. Não, os seres humanos são pecadores, e Deus é amor'." (p. 42).

"
... diz o teólogo Daniel Hawk: 'O problema humano básico é que cada um acredita que existe um Deusque sou eu'. Precisamos de um forte corretivo, e, para mim, esse corretivo está exatamente na oração." (p. 44).

"
Sinto-me esmagado pela imensidão de Deus, pela desproporção do relacionamento de qualquer criatura com tal Ser. 'Sendo que é de Deus que estamos falando, você não o compreende. Se você pudesse compreendê-lo, ele não seria Deus', disse Agostinho. Nós, que mal compreendemos a nós mesmos, estamos abordando um Deus que absolutamente não podemos compreender. Não é de estranhar que alguns cristãos ao longo dos séculos tenham se sentido mais confortáveis orando aos santos ou confiando em intermediários." (p. 58).

"... a intrigante tolerância divina para com as atrocidades da História, minhas orações não atendidas, longos períodos de aparente silêncio de Deus. Encontros com Deus podem incluir êxtase e alegria ou retiro e silêncio, mas sempre incluem mistério. [...] Fico com a incômoda verdade de que Deus, não eu, tem o controle máximo do relacionamento." (p. 61s).

"A oração que se baseia no relacionamento, e não na negociação, pode ser a maneira mais libertadora de nos conectarmos com um Deus cujo ponto de vista nunca poderemos assimilar e mal conseguimos imaginar. [...] Não precisamos golpear tambores ou oferecer animais em sacrifício para receber a plena atenção de Deus. Nós já a temos." (p. 67).

"A tentativa de esconder alguma coisa de Deus é bobagem, pois ele sabe tudo sobre mim. [...] Posso sentar-me calado diante de Deus, e ainda assim nos comunicamos - às vezes até melhor." (p. 75).

"[na oração] aprendo que Deus e eu temos uma visão diferente do uso do poder e uma diferente concepção do tempo. Deus não precisa provar que é Deus." (p. 79).

"Walter Brueggemann sugere uma razão óbvia para a ingenuidade no livro de Salmos: 'É porque a vida é o que é e porque esses poemas foram concebidos para dirigir-se à vida em sua totalidade, não apenas a parte dela'. Ele considera chocante visitar certas igrejas evangélicas entusiastas e ouvir hinos alegres, quando metade dos salmos são canções de lamentação, protesto e queixa sobre a incoerência que se prova neste mundo. Fica evidente pelo menos que uma igreja que segue cantando ‘hinos alegres’ diante da realidade crua está fazendo algo muito diferente do que faz a própria Bíblia." [...] Deus formou uma aliança baseada no mundo como ele é, cheio de falhas, ao passo que a oração pede explicações a Deus pelo mundo como este deveria ser." (p. 81).


Na próxima semana, tem mais. Amanhã, nova reflexão.

Abraços a todos.

na Graça,

Jefferson


segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

Reflexão (10) - Dom Casmurro e Salomão

por Jefferson Ramalho

Há alguns meses eu li Dom Casmurro pela terceira vez. Magnífico!

Impossível ler atentamente Machado e não se lembrar das experiências da vida. Ele é erudito e prático ao mesmo tempo. Literato por excelência, perspicaz, sábio, envolvente e prazeroso.

Como dizia meu mestre em redação Ricardo Pântano nos anos de Mackenzie: “A leitura dos textos de Machado de Assis é um verdadeiro tesão”.

Uma passagem específica, mais que qualquer outra me tomou a atenção dos olhos, da alma e do coração principalmente.

Bentinho, o protagonista, estava fazendo tranças em sua amada Capitu. Ela, sentada de costas para ele, desfrutava do prazer de sentir as mãos do seu grande amor escorrendo em seus cabelos.

Daqui pra frente, prefiro compartilhar a passagem do romance nas palavras do próprio Machado. Não posso ser egoísta e ao mesmo tempo ingênuo em querer reescrever o que originalmente foi escrito com tanta perfeição.

"Enfim acabei as duas tranças. Onde estava a fita para atar-lhes as pontas? Em cima da mesa, um triste pedaço de fita enxovalhada. Juntei as pontas das tranças, uni-as por um laço, retoquei a obra, alargando aqui, achatando ali, até que exclamei:

-Pronto!

-Estará bom?

-Veja no espelho.

Em vez de ir ao espelho, que pensais que fez Capitu? Não vos esqueçais que estava sentada, de costas para mim. Capitu derreou a cabeça, a tal ponto que me foi preciso acudir com as mãos e ampará-la; o espaldar da cadeira era baixo. Inclinei-me depois sobre ela rosto a rosto, mas trocados, os olhos de uma na linha da boca do outro. Pedi-lhe que levantasse a cabeça, podia ficar tonta, machucar o pescoço. Cheguei a dizer-lhe que estava feia; mas nem esta razão a moveu.

-Levanta, Capitu!

Não quis, não levantou a cabeça, e ficamos assim a olhar um para o outro, até que ela abrochou os lábios, eu desci os meus, e...

Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando eles me clarearam vi que Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua. Preso, atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me descolasse da parede e me atirasse a ela com mil palavras cálidas e mimosas... Não mofes dos meus quinze anos, leitor precoce. Com dezessete, Des Grieux* (e mais era Des Grieux) não pensava ainda na diferença dos sexos.

"É necessário fazer algum comentário?

Penso que não. Talvez Machado de Assis - apesar de ateu, segundo as más línguas - tenha sido o escritor que mais próximo chegou de muito do que Salomão escreveu em Cântico dos cânticos.

Um abração carinhoso e sincero aos amados!

na Graça,

Jefferson

ps. * Des Grieux: protagonista do romance francês Manon Lescaut, escrito em 1731 pelo abade Prévost, onde se desenvolve uma análise implacável da paixão amorosa, que arrasta o herói à perdição, levando-o da condição de adolescente e ingênuo a percorrer os caminhos da corrupção e da condenação. Sua amante Manon, personagem encantadora e vaidosa, amoral e incapaz de renunciar à tentação de um prazer, leva à perdição um homem ingênuo, fraco e exaltado. Grande foi a sensação do beijo; Capitu ergueu-se, rápida, eu recuei até à parede com uma espécie de vertigem, sem fala, os olhos escuros. Quando eles me clarearam vi que Capitu tinha os seus no chão. Não me atrevi a dizer nada; ainda que quisesse, faltava-me língua. Preso. atordoado, não achava gesto nem ímpeto que me descolasse da parede e me atirasse a ela com mil palavras cálidas e mimosas... Não mofes dos meus quinze anos, leitor precoce. Com dezessete, Des Grieux* (e mais era Des Grieux) não pensava ainda na diferença dos sexos."

sexta-feira, 30 de novembro de 2007

Reflexão (9) - Quatro vozes que me abençoam


por Jefferson Ramalho

Nos últimos dois anos Deus tem tratado minha alma de uma maneira muito peculiar. As necessidades da alma me fizeram perceber a cada dia o quanto sou dependente do Seu amor, do Seu cuidado e da Sua Graça. A teologia tinha me ensinado isso apenas na teoria, mas na prática, aprendi sentindo na pele.

Quando eu estava iniciando na caminhada cristã, me fizeram acreditar que Deus fala de forma audível, diretamente conosco, conforme registrado em algumas passagens bíblicas. Em minha inocência, acreditei que assim seria.

O tempo foi passando e nada de Deus falar, embora muitas vezes eu pregava e enchia a boca arrogantemente para dizer que Ele estava falando comigo. Com isso eu não fazia nada além de misturar presunção com ingenuidade, e o que é pior, manipulava pessoas fazendo-as acreditar que eu tinha uma intimidade com Deus que eles não tinham.

Disseram-me também que Deus nos fala através de outras pessoas. Também acreditei, mas tudo o que Ele supostamente me falou através de outros não foi nada tão surpreendente para ser atribuído a Ele. Com o decorrer dos anos fui percebendo que Deus não fala conosco de modo esquisito. Deus não é esquisito.

Leituras de passagens bíblicas, muitas vezes, conseguem vir em nossa direção com mensagens que parecem ser do próprio Senhor. Algumas vezes isso também acontece por meio de pregações, mas não na maioria das vezes, pois grande parte delas atualmente, consegue ser a antítese da mensagem cristã. Tudo, menos Palavra de Deus.

Nos últimos dois anos Deus tem sido generoso comigo e tem me falado não diretamente nem indiretamente, mas colocando pessoas no meu caminho e me edificando através de suas vozes e de suas palavras. São em especial quatro irmãos que não têm nenhuma auréola, mas têm Graça de Deus naquilo que falam.

O primeiro deles é meu irmão, pastor, mestre e acima de tudo, amigo, Ricardo Bitun. Nos conhecemos no início de 2000. Ele foi o principal responsável por muitas decisões, rompimentos, reflexões e principalmente conversões que aconteceram na minha vida: no meu coração e na minha alma.

Sua voz calma, seu olhar penetrante, seu temor a Deus nunca vistos por mim em qualquer outro ser humano e sua atenção a todos os meus momentos de aflição me fizeram ver nele alguém com quem eu pudesse contar. Deus está naquele homem. Não sem defeitos, mas com muitas qualidades. Até hoje desfruto de sua amizade e espero poder contar com ela por toda minha vida. Não caminhamos juntos como igreja, mas somos um, como Igreja. Sempre que quero saber como é andar com o Senhor e ouvir Sua voz, procuro este irmão. Ele anda com Jesus.

O segundo amigo é o Carlos Bregantim. Um homem que não precisou subir no pedestal pastoral para me estender a mão quando dele precisei. Na primeira conversa que tivemos pude ver quem ele era e quem ele é. Suas pregações, sem compromissos com rigor acadêmico e teológico embora ele tenha conhecimento suficiente para isso, têm sido o meu alimento espiritual todos os domingos pela manhã.

Um irmão, mais que pastor, que ao ouvir minha aflição, não viu outra maneira de me acolher a não ser compartilhando a sua própria experiência. Algo que pastores, bispos e apóstolos certamente não fariam, a menos que fossem experiências de triunfalismos. Quando as experiências são “evangelicamente escandalosas”, elas não servem de exemplo. Mas com este amigo não foi assim. Desde quando conversamos naquela tarde no Café Girondino, meu coração nunca mais foi o mesmo. Deus falou por ele, sem fantasias, mas como homem.

Outro irmão com o qual tenho tido poucos encontros, mas o suficiente para querer sempre estar perto é o Sergio Fortes. Sua voz extremamente grave consegue ser ao mesmo tempo extremamente doce, carinhosa e agraciada por Deus, sobretudo, pelas palavras que pronuncia. Seu abraço de irmão e amigo consegue agasalhar não somente o corpo, mas principalmente a alma de quem ele abraça. Suas reflexões são simples e singelas, mas são Palavra de Deus na medida que vão se construindo durante uma conversa sempre e em qualquer lugar que nos encontramos.

Não há quem o conheça de fato, que não se sinta atraído por sua maneira mansa e doce de expressar a verdadeira espiritualidade de um cristão que ama Jesus sobre todas as coisas, e não tem outra postura a não ser a de silenciar-se diante da Sua Grandeza.

A
quarta voz que tem me abençoado é a de um irmão com o qual não tive ainda o privilégio de estar mais próximo. Nos vimos apenas uma vez. Contudo, sua voz, sua poesia, sua música e suas canções têm me enchido o coração de alegria todos os dias. Stênio Marcius é o seu nome. Cada uma de suas músicas tem produzido um significado novo no meu coração acerca das passagens bíblicas ou das situações que ele simplesmente inventa e transforma em melodia como ninguém.

Os louvores a Deus na voz e na composição do Stênio não são extravagantes, explosivos, circenses ou superproduzidos. São apenas louvores. Músicas com toques poéticos, com vocabulário não rebuscado mas amplo, sem adornos mas ao mesmo tempo impressionantes. Simples. Como C. S. Lewis certamente diria: cristianismo puro e simples, só que em forma de canção. O suficiente para tocar o coração e evidenciar ainda mais a Graça de Deus existente na alma e no coração do compositor. Obrigado, Stênio.

São essas as vozes de Deus que têm falado à minha alma. Sem espetáculo, sem espiritualizações bestializadas, sem circo, sem línguas inexistentes, sem esquisitice. Apenas simples e suficientes. Obrigado Senhor, por generosamente falar comigo dessa maneira.

na Graça,

Jefferson