domingo, 23 de maio de 2010

***** A historiografia cristã na História (parte 1)


por Jefferson Ramalho

A historiografia (escrita da história) cristã, para relatar, sobretudo, a respeito dos primeiros 'trezentos e poucos anos' é indiscutivelmente devedora de Eusébio de Cesaréia. Em sua História Eclesiástica, Eusébio escreveu sobre os primeiros passos daquele movimento iniciado por um carpinteiro judeu chamado Jesus de Nazaré. Este Jesus, na opinião de Eusébio, de outros padres (ou pais) da igreja e dos autores de alguns fragmentos daquele conjunto de escritos que a tradição cristã organizaria e chamaria somente no quinto século de Novo Testamento, é o próprio Deus encarnado, um homem incomum, com dupla natureza - humana e divina.

Embora Eusébio tenha sido partidário da controvérsia ariana do quarto século que afirmava ser contrária à opinião de que Jesus de Nazaré fosse co-eterno com Deus Pai, não deixava de defender a perspectiva de que algo divino, diferenciado, ímpar, havia em Jesus.

Por esta razão, no início da obra, Eusébio não omite seu objetivo que é o de selecionar aquilo que lhe interessa, aquilo que possibilitará um discurso de defesa ao caráter absoluto e universal da religião cristã. Diante das perseguições oficiais que os cristãos sofriam, a necessidade de se defender diante delas e também diante das acusações e discriminações, foram as principais motivações do bispo Eusébio.

Além de resgatar uma vastíssima quantidade de informações, fazer apologia aos mártires e seus gestos de bravura diante do martírio, dedicar páginas e mais páginas a falar de importantes intelectuais cristãos anteriores a ele, Eusébio complementaria a obra escrevendo os seus três últimos livros (ou capítulos): o oitavo, o nono e o décimo.

Neste bloco final, o historiador, que também era bispo e teólogo da cristandade de seu tempo, assumiu definitivamente uma postura de representação eclesiástica – clerical – da aliança que a religião cristã estava firmando com o império romano. Este que sempre perseguiu, torturou e matou o ser humano que simplesmente se declarasse cristão, resolveu na pessoa do imperador Constantino, assumir outra identidade. Esta, inclusive, é outra discussão. Foi o império que se converteu à fé da igreja ou foi a igreja que se aliou à política do império?

A historiografia de Eusébio, que foi continuada especialmente por Zózemo, Sócrates e Theodoro de Ciro, apresentava a história cristã de seu tempo como algo em que ele via como resultante da manifestação do próprio Deus. Foi este que, para Eusébio, converteu o coração de Constantino. O bispo de Cesaréia chega a afirmar que o imperador era um novo Moisés que Deus estava levantando para libertar o seu povo de um longo período de opressões acumuladas e aprisionamentos.

As perguntas que fazemos hoje, depois de dezessete séculos, são as seguintes: Constantino realmente se converteu à religião cristã? Não teria sido ele um político corrupto e interesseiro que via na expansão dos cristãos uma possibilidade de alcançar benefícios e popularidade diante do povo do império? E a igreja, sabendo da inconstância daquele império, agia corretamente ao aceitar aquele conchavo só porque a perseguição religiosa havia sido extinta? Além de tudo isso, é coerente concordar que Eusébio, enquanto historiador, agiu corretamente ao escrever a história da igreja, especialmente a de seu tempo, da maneira apologética e triunfante com que escreveu, omitindo equívocos e acordos político-eclesiásticos, vendo em todo aquele processo de institucionalização como algo que acima de tudo, tinha Deus no controle?

Será a estas dúvidas que pretenderemos buscar respostas em nossas próximas reflexões.

Até a próxima!

Boa semana!

Jefferson

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